Correio Braziliense
Nem mesmo em 1972, quando o Sesquicentenário da
Independência foi comemorado com pompa e circunstância pelo regime militar, a
nossa memória histórica foi resgatada de forma tão tosca
O Bicentenário da Independência do Brasil
está sendo “comemorado” hoje, às vésperas das eleições gerais de 2 de outubro
(daqui a 25 dias), como se fosse uma pajelança eleitoral. Entretanto, deveria
ser uma grande festa de afirmação da identidade nacional, da nossa coesão
social e de um projeto de futuro.
O presidente Jair Bolsonaro (PL), que disputa a reeleição, se apropriou da data para alavancar sua campanha. As mobilizações “nacionalistas” programadas para Brasília, Rio de janeiro e São Paulo, principalmente, tendo como coadjuvantes as Forças Armadas, que sempre foram protagonistas, são atos de provocação contra o Estado democrático de direito e suas instituições, principalmente o Supremo Tribunal Federal (STF). Seus organizadores acreditam que o 7 de Setembro será o “fato novo” capaz de promover uma virada no cenário das eleições. Veremos.
É uma situação inédita. Nem mesmo em 1972,
quando o Sesquicentenário da Independência foi comemorado com pompa e
circunstância pelo regime militar, a nossa memória histórica foi resgatada de
forma tão tosca. Àquela época, criou-se uma comissão governamental em parceria
com Instituto Histórico e Geográfico com a tarefa de resgatar as lutas pela
Independência, com objetivo de fortalecer os vínculos entre o projeto de
institucionalização do regime autoritário então vigente e o sentimento nacionalista
do povo. Memória e identidade caminhavam juntas, mesmo que com o viés
autoritário da época.
O país vivia o “chamado milagre
brasileiro”, com base no tripé econômico empresas estatais-iniciativa privada
nacional-investimentos estrangeiros, com instalação de empresas multinacionais
e empréstimos bilionários. Os militares tinham um projeto nacional
desenvolvimentista, autárquico, a custa de muito endividamento externo.
Operou-se a chamada “modernização
conservadora”, sob a lógica de “fazer o bolo crescer para depois dividir”.
Houve arrocho salarial para a grande massa trabalhadora, mas formou-se uma nova
e abastada classe média, que apoiava o regime.
A concentração de capital e a desigualdade
social se cristalizaram como par dialético da nossa economia, mas houve maior
integração nacional e o Brasil passou a contar com uma base industrial robusta.
Tanto os militares como a oposição, que estava sendo massacrada, tinham um
projeto de futuro nacional desenvolvimentista. O divisor de águas era a falta
de democracia.
Os radicais de direita que comemoram nas
ruas o Bicentenário da Independência têm como referência um passado imaginário,
no qual glamorizam o regime militar e ignoram os seus equívocos, que o levaram
à bancarrota, após 20 anos de ditadura. O maniqueísmo é uma característica da
mentalidade reacionária, aqui ou em qualquer lugar do mundo.
O resultado é que as comemorações oficiais
do Bicentenário foram abduzidas pela campanha de Bolsonaro, sem que as
instituições governamentais tenham feito qualquer reflexão sobre o futuro do
país, nem mesmo aquelas que tradicionalmente se preocuparam com isso, como o
Itamaraty e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Elites e populismo
A propósito, uma das reflexões mais
instigantes sobre o Bicentenário foi a palestra do embaixador Rubens Ricúpero
na Academia Brasileira de Letras (ABL), na sexta-feira passada, na qual ele
indagava o que o Brasil poderia fazer ao longo dos próximos 100 anos. É muita
ironia, os principais protagonistas da vida nacional estão pensando nos
próximos 25 dias. Ricúpero ainda acredita que o Brasil pode ser tornar uma
potência ambiental, de direitos humanos, de promoção da igualdade racial e
social, solidária a fracos e miseráveis. A agenda das manifestações programadas
para hoje vai na direção diametralmente contrária.
Discípulo “incondicional” de Capistrano de
Abreu, o primeiro a valorizar a importância do “povo capado e recapado,
sangrado e ressangrado” na formação histórica do Brasil, José Honório
Rodrigues, falecido em abril de 1987, aos 73 anos de idade, era um historiador
liberal democrata de formação anglo-saxã. Na coletânea Conciliação e reforma no
Brasil: interpretação histórico política (Civilização Brasileira, 1965), ele
destacou que a concentração do poder político por um grupo conservador impediu
o progresso do país durante séculos.
Para ele, as lutas pela independência
poderiam fundar as bases nacionais em terreno popular e liberal, mas foram
derrotadas. A Independência não significou uma ruptura, mas a continuidade da
ordem privilegiada das elites escravocratas da época.
Em 1822, nas décadas de 1830 e 1840, em
1889, 1930, 1945, 1961 e 1964 deu-se o mesmo. “Os poderes dominantes tiveram
sempre força para conter as aspirações profundas de mudança e reverter os movimentos
de modo a sustentar seu sistema, e seus privilégios”, diagnosticou num dos
ensaios da coletânea, intitulado Teses e antíteses da História do Brasil.
Honório considerava o populismo “uma
espécie de primitivismo político (…), um instrumento de agitação irresponsável,
de meio desordenado de degradação da política e dos políticos”. Dizia que foi
um entrave ao crescimento ordenado e eficiente nas décadas de 1950 e 1960: “A
campanha de luta e agitação (…) desgastou o progressismo que se vinha formando
e criou barreiras intransponíveis (…) O radicalismo vindo de cima, que mais
agitava do que propunha construir (…) uma pedra no caminho da reforma e do
progresso nacional. Não uniu, dividiu”. Parece que a história se repete.
4 comentários:
Muito modestamente, acrescentaria 1937.
Mais uma pesquisa da Gerp , que espero que não seja ignorada , mostra bolsonaro a frente com 39% contra Lula com 38% das intenções de voto
O Instituto Brasmarket , o Instituto Paraná pesquisas também foram no mesmo caminho e foram solenemente ignorados
Os ventos já assopram a favor do Presidente, revelando a realidade ,e a imprensa com seu consórcio se nega a acreditar e ver a realidade como ela é Até quando?
Pode Jair se acostumando,
presidente reeleito.!
Presidente Lula re-reeleito, sim! Se Bolsonaro vender as dezenas de imóveis comprados por sua família com dinheiro vivo e doar para os pastores salafrários que o apoiam, eles garantem que Bolsonaro vencerá no primeiro turno. Será que Bolsonaro acredita nos seus pastores salafrários? E o bolsonarista anônimo acima acredita nestes pastores salafrários? Se acredita em Bolsonaro, deve acreditar também no Pinóquio!
Bolsonaro nunca governou, só comandou as rachadinhas da sua família!
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