quinta-feira, 3 de agosto de 2023

Luiz Antônio de Lima Jr* - As lições do monetarismo

Valor Econômico

Contração do estoque de moeda nos EUA foi mais forte que no Reino Unido

Um nome muito conhecido nos bastidores da economia é Paul Volcker, ex-presidente do Banco Central dos EUA (Fed), que presidiu a autoridade monetária entre 1979 e 1987. Apesar de Volcker ter feito algumas críticas ao monetarista Milton Friedman, ele é conhecido como herói por ter acabado com o período de elevada inflação nos EUA, período conhecido como estagflação, por meio do uso do receituário monetarista proposto por Friedman.

No final da década de 70, o Fed reduziu em uma velocidade acelerada a quantidade de moeda na economia, fazendo com que a taxa de juros subisse de 10,94%, em agosto de 1979 (ano em que Volcker assumiu o Fed), para 13,78% em dezembro de 1979, e 18,9% no final de 1980. Essa política monetária arrastou a economia norte-americana e do mundo para uma rápida, porém severa, recessão que logo foi debelada com a queda da inflação e consequente queda da taxa de juros.

O clima de incerteza política, com toques de irresponsabilidade, causou um pânico no mercado financeiro britânico e mundial, o que forçou o BoE a anunciar uma expansão no estoque de moeda, num momento em que os juros disparavam e a libra derretia

Uma história menos heroica e conhecida sobre Volcker tem uma relação contemporânea com a política monetária praticada no Reino Unido em setembro de 2022. Esse foi um ultraje ao monetarismo. Esse ultraje tem início no ano das eleições presidenciais dos EUA de 1980. Nesse ano, por motivos políticos, o Fed iniciou um processo de afrouxamento monetário durante os meses que antecederam as eleições, em um período em que o Fed, teoricamente, estava fazendo uma política contracionista. Entre abril e julho de 1980, a taxa de juros despencou de 17,61% para 9,03%. Essa manobra política, que, às vezes, não é muito circulada em livros de economia, provocou uma reaceleração da inflação e, posteriormente, o Fed teve que elevar as taxas de juros para patamares muito maiores do que antes. Um erro que custou muito caro.

Vamos voltar ao ano de 2022.

No pós-pandemia, o Banco Central da Inglaterra (BoE) cometeu outro ultraje ao monetarismo. Mas, no caso da autoridade britânica, a motivação era mais nobre, comparada à decisão do Fed em 1980. Em artigo publicado no Valor em 30/08/2022, foi defendida a hipótese de que o retorno da inflação no mundo desenvolvido, no pós-covid-19, era causado por excesso de moeda. Em junho de 2022, os bancos centrais dos EUA e Reino Unido tinham a tarefa de lidar com uma inflação anual de 9,1% e 8,2%, respectivamente. Era a maior variação de preços em décadas. Essa inflação remetia ao início do período de Volcker no Fed.

Para combater esse aumento da inflação, os bancos centrais começaram a apertar a política monetária. No início de 2022, as taxas de juros básicas dos bancos centrais supracitados estavam próximas de zero. Em junho de 2023, o limite inferior da taxa nos EUA estava em 5% e, no Reino Unido, a taxa básica de juros subiu para 5%. A despeito do aperto monetário, os preços não se comportaram de forma equivalente no velho e no novo continente. Os dados de maio de 2023 mostram que a inflação, medida pelo índice de preços ao consumidor, despencou para 4% nos EUA, mas no caso britânico ela acelerou e estava em 8,7%. O que houve com a economia britânica?

A teoria keynesiana, que explica a inflação por choques de oferta e de demanda, não encontrou respaldo nos dados. A argumentação sobre o choque de oferta perdeu força, uma vez que os preços das commodities no mundo estão operando a patamares inferiores ao início da guerra na Ucrânia e, inclusive, em muitos casos, inferiores aos patamares do pré-covid-19. A argumentação do choque de demanda também é fraca, pois a evolução da taxa de desemprego foi similar no velho e no novo continente em todo o ano de 2022 e nos primeiros meses de 2023. Além disso, existe uma desaceleração econômica no mundo e principalmente no Reino Unido.

Então, como explicar o comportamento distinto da evolução dos preços nas duas nações? O ultraje ao monetarismo é uma possível resposta. Os dados sobre a evolução do estoque de moeda, em termos nominais, contam uma parte da história. Entre abril de 2022 (início do aperto monetário) e abril de 2023 (último mês com disponibilidade de dados), o M1 caiu 9,8% nos EUA e apenas 3,3% no Reino Unido. Com relação aos meios de pagamento amplos, M2 e M3, eles caíram 5% nos EUA e ficaram constantes no Reino Unido.

Apesar de os dados mostrarem uma contração maior no estoque de moeda nominal nos EUA, o Reino Unido também praticou uma política restritiva. Mas a economia britânica passou por um episódio que não é possível visualizar na evolução do estoque de moeda com referência a abril de 2022 e a abril de 2023. Esse episódio obrigou o BoE, no ano de 2022, a copiar o Fed de 1980. Em um clima de incerteza política, com toques de irresponsabilidade econômica, o Reino Unido teve três primeiros-ministros entre os meses de setembro e outubro de 2022. Esse clima causou um pânico no mercado financeiro britânico e mundial, o que forçou o BoE a anunciar uma enorme expansão no estoque de moeda, num momento em que as taxas de juros disparavam e a libra esterlina derretia.

A autoridade monetária britânica não publica dados diários dos agregados monetários, no entanto, apenas em setembro de 2022, período no qual o banco, teoricamente, praticava sua política monetária contracionista, M1, M2 e M3 cresceram mais de 3%. Então, como no caso de Paul Volcker, o BoE cometeu uma política monetária ultraexpansionista. Uma vez que existe defasagem na política monetária, pode-se dizer que, com base nos agregados monetários, a inflação mais alta do Reino Unido em maio de 2023 é resultado da política monetária adotada no ano de 2022. As lições do monetarismo foram esquecidas.

E o que esperar para o futuro da inflação no Reino Unido? Em oito meses, entre o pico da crise política em setembro de 2022 e o último dado divulgado pelo BoE, em abril de 2023, o estoque de moeda representado por M1, M2 e M3 caiu 9%, 5% e 4%, respectivamente. O BoE está realmente praticando uma política monetária contracionista. Caso essa política persista, a inflação vai começar a cair.

*Luiz Antônio de Lima Jr, professor do Departamento de Economia da UFJF/GV, é cofundador do canal: Desta Vez é Diferente.

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