sexta-feira, 22 de setembro de 2023

César Felício - A última crise do governo passado

Valor Econômico   

É perturbador ver o grau de degradação institucional que o governo passado levou ao Brasil 

A ser verdade o que relatou Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, em sua proposta de delação premiada, a intentona golpista engendrada no governo passado não tinha nenhuma chance de prosperar. 

Conforme foi divulgado pelo jornal “O Globo”, Cid teria dito que Bolsonaro consultou os comandantes das Forças Armadas sobre a possibilidade de um golpe para invalidar as eleições presidenciais do ano passado. Teria tido apoio do então comandante da Marinha, Almir Garnier, mas não das demais armas. 

A crônica de golpes no Brasil é longa. Para ficar apenas no período republicano, houve golpes em 1889, 1930, 1937, 1945, 1955, 1964 e 1969, para não falar dos fechamentos do Congresso em 1966, 1968 e 1977. Em todas essas dez ocasiões de ruptura institucional, o Exército teve papel central. A Marinha, isoladamente, levantou-se contra a legalidade em 1893 e 1955. A Aeronáutica o fez em 1956 e 1959. Nessas quatro ocasiões, o Exército se opôs e o golpe não se consumou. Sem cumplicidade da força terrestre, nenhum golpe é possível no Brasil. 

Bolsonaro trocou o comando do Exército durante o seu mandato três vezes: a arma passou pelas mãos de Edson Pujol, Paulo Sérgio Oliveira e Freire Gomes. A última vez que tal frequência de trocas aconteceu em um mandato foi no governo Geisel, sendo que uma das substituições ocorreu por falecimento do comandante. 

Para registrar instabilidade semelhante, portanto, é preciso recuar até o governo Goulart, que trocou quatro vezes o comando. É um indicativo de que o ex-presidente teve dificuldades relevantes para controlar a força armada. 

Agora se sabe, caso a versão de Cid seja confirmada, que a falta de controle seguiu até o fim. Nove meses depois do fim do governo descobre-se qual foi a última crise da gestão passada. 

A delação de Cid deixa claro o propósito golpista do ex-presidente da República, o que joga a luz em um dos momentos mais sombrios da institucionalidade brasileira. Em sua conspiração contra a democracia, é certo que Bolsonaro conseguiu lastro em setores das Forças Armadas. Mas o relato pode abrir uma porta para demarcar alguma distância entre o Exército e o capitão que governou o Brasil. 

O perturbador é ver o grau de degradação institucional que o governo passado levou ao Brasil. O que teria acontecido se o comando do Exército tivesse topado a aventura? Chegamos exageradamente perto do abismo. 

 

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