sexta-feira, 22 de setembro de 2023

César Felício - Fazer escolhas, um drama para o governo

Valor Econômico 

Expectativa e drama rodeiam cada decisão que o presidente Lula precisa tomar 

Governo de frente ampla é sempre um governo de disputa, por dentro ou por fora, gosta de dizer um veterano dirigente petista. No caso do governo Lula III, esta disputa parece estar sendo levada ao paroxismo, e um exemplo é a expectativa e drama gerado a cada decisão que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva precisa tomar. 

É insólita a guerra subterrânea que se trava pela indicação da vaga no Supremo a ser aberta com a aposentadoria da ministra Rosa Weber, ao que parece próxima do desfecho. Em que outro governo houve uma bolsa de apostas entre dois integrantes da Esplanada dos Ministérios por uma cadeira na Suprema Corte? É o que se passa agora entre o ministro da Justiça, Flávio Dino, e o da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias. 

A indisposição entre o PT e o ministro da Justiça, que sempre existiu, tornou-se mais intensa nos últimos dias, conforme está exposto no noticiário. Um ex-ministro petista, inconformado com a maior chance de Dino ser o escolhido, sentenciou: Lula errou em todas as escolhas que fez para o Supremo, inclusive em seus mandatos anteriores. O que, evidentemente, engloba também Cristiano Zanin, indicado esse ano para a substituição de Ricardo Lewandowski. 

A sucessão de Augusto Aras na Procuradoria-Geral da República, também prestes a ser anunciada, transformou-se em outra escaramuça, antepondo dessa vez Paulo Gonet e Antonio Carlos Bigonha, não se podendo descartar a recondução do próprio Aras. Cada ala do entorno de Lula tem a sua preferência. 

A reforma ministerial feita para abrigar o PP e o Republicanos tinha um preço ao ser concebida, no fim de junho, e tem outro valor agora, ainda a ser pago com a entrega da Funasa e da Caixa; que já implicou no redesenho da pasta dos Esportes e na criação de um novo ministério. 

A dificuldade de Lula em arbitrar disputas, sobretudo as disputas que de uma maneira ou outra envolvem o seu partido, retardou a solução para o impasse, e as semanas adicionais elevaram o preço. No caso da sofrida reforma ministerial, toda uma ginástica foi feita para preservar a cota do PT na Esplanada. 

Isso pode acontecer de novo, caso a indicação de Dino se materialize: o surgimento de um novo posto na Esplanada, o de número 39, desta vez separando a Justiça da Segurança Pública; para contentar interesses contrariados do PT. É uma frustração que vem lá de trás, quando na equipe de transição integrantes propuseram que a pasta que terminou entregue a Dino tivesse menos peso. 

Nessa toada, quantos ministérios serão necessários para pacificar todas as disputas que surgem por dentro e por fora do governo? 40? 50? 

Déficit zero 

A questão da revisão da meta de resultado primário no Orçamento é quase um jogo jogado. É praticamente certo que ela não virá do Ministério da Fazenda. O ministro Fernando Haddad precisa sustentar a meta de déficit zero, ainda que ela seja inexequível, porque convém ao governo de diversas formas. 

A meta é uma das chaves para pressionar o Congresso a votar a pauta do governo de aumento da carga tributária. O Orçamento prevê R$ 168,5 bilhões em receitas condicionadas a aprovação legislativa. 

Há todo um cardápio indigesto para deputados e senadores, que inclui a mudança nas regras de tributação de incentivos fiscais, a taxação de offshore, a de fundos exclusivos, o fim da remuneração por juros de capitais próprios, entre outras. Todas ferem os interesses empresariais aos quais o Legislativo busca atender cada vez mais. Por outro lado, viabiliza um programa de gastos que também pode reverter potencialmente em benefícios políticos para essa base. De quebra, tira do pescoço do governo a canga do Congresso. 

A rigor o próprio Congresso pode tomar a iniciativa de rever a meta na Lei de Diretrizes Orçamentárias, e declarações dadas pelo relator da matéria, Danilo Forte (União Brasil-CE), ao longo do ano, vão nesse sentido. Um Orçamento mais realista, prevendo déficit, aumentaria o poder de deputados e senadores, porque se tornaria mais impositivo, ao diminuir a margem para contingenciamento. 

O retrospecto dos últimos anos, contudo, mostra que a tradição do Congresso está na direção contrária desse rigor todo. Não fosse assim Lula não teria conseguido aprovar a PEC da Transição que lhe garantiu oxigênio no primeiro ano do governo e nem o ex-presidente Jair Bolsonaro teria obtido as licenças kamikaze para elevar gastos na área social em pleno ano eleitoral. O Orçamento inchado, no Brasil, tornou-se um instrumento de governabilidade, pactuado entre Legislativo e Executivo. 

O discurso de responsabilidade fiscal é forte na cúpula da Câmara e do Senado, mas os fatos são eloquentes para que se relativize a retórica da austeridade. Para citar apenas um exemplo, passou batido no Senado a Proposta de Emenda Constitucional de número 7, que integra servidores dos ex-territórios na administração federal. O impacto fiscal gira em redor de R$ 6,5 bilhões. 

 

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