segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Luiz Gonzaga Belluzzo* - A economia do mercadismo

Carta Capital

A sabedoria tosca que tenta imobilizar o governo Lula só conjuga o verbo cortar

Na revista Veja, a senhora Neuza Sanches nos oferece uma obra-prima da sabedoria econômica abrigada nos embornais dos mercados. Neuza informa os leitores: “O governo de Luiz Inácio Lula da Silva prevê encerrar o primeiro ano de mandato com um rombo de 177,4 bilhões de reais nas contas públicas, uma piora em relação à estimativa anterior e ainda longe da meta traçada pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda), de entregar um déficit de até 1% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2023”.

Aqui vai a argumentação nuclear dos sabichões do Paleolítico: “ O déficit fiscal pode resultar no aumento do desemprego, já que o governo precisa economizar em algumas áreas para pagar os débitos. Isso pode levar a uma redução na oferta de trabalho e, consequentemente, um aumento do desemprego. O déficit fiscal pode reduzir o Produto Interno Bruto (PIB) do País, pois o governo precisa economizar em áreas importantes de investimento para pagar os débitos. Isso pode levar a uma redução no PIB. Enfim, não há milagres. Quem gasta mais do que recebe – todo assalariado sabe disso –, fica devendo. E paga juros exorbitantes por essas dívidas. Não é diferente no caso do governo, cujo discurso de controle de gasto ainda é visto com desconfiança por boa parte do mercado financeiro”.

A mensagem é simples: se não há dinheiro, corte seus gastos. A palavra rombo é expelida no rosto do público como perdigotos contaminados pelos venenos criados nas retortas dos alquimistas do mercado.

Depois do Coronavírus, o neuronavírus tem revelado enorme potencial de letalidade intelectual. A opinião pública tem sido submetida a um insidioso processo de contaminação. Os especialistas e os comentaristas da mídia repetem, incansáveis, os mantras do corta, corta, corta. A tosca sabedoria dos mercados pretende imobilizar o governo Lula.

Paul Krugman ensinou em sua coluna do New York Times: “Uma economia não é uma família endividada. Nossa dívida (privada) consiste principalmente de dinheiro que devemos uns aos outros; ainda mais importante, nossa renda provém principalmente de vender coisas uns aos outros. Seu gasto é a minha renda e meu gasto é a sua renda. Assim, o que acontece se todo mundo reduzir gastos simultaneamente, a fim de reduzir suas dívidas? Resposta: a renda cai”.

As insuficiências da concepção exarada por dona Neusa chegaram a tais absurdos que suscitaram reações no ambiente ortodoxo. Ao tratar da austeridade, o ­estudo do FMI Neoliberalism: Oversold? indica: a elevação de impostos ou do corte de gastos para reduzir a dívida pode ter um custo muito maior do que a mitigação do risco de crise prometido por sua redução. É preferível a eleição de políticas que permitam a redução do porcentual da dívida, diz o FMI, “organicamente pelo crescimento”.

Segundo o estudo, as políticas de austeridade não só geram substanciais custos ao bem-estar pelos canais da oferta, como também deprimem a demanda e o emprego. A noção de que a consolidação do orçamento pode ser expansionista (isto é, aumenta o crescimento e o emprego), por elevar a confiança do setor privado e o investimento, não se confirmou na prática. Na média, a consolidação de 1% do PIB eleva a taxa de desemprego em 0,6% no longo prazo, e o coeficiente de Gini (concentração de renda) em 1,5% dentro de cinco anos.

Keynes encontrou a negação dessas superstições no desempenho das economias centrais durante os 30 anos gloriosos do imediato pós-Guerra. Esse período foi marcado por uma virtuosa e estável relação entre gasto fiscal, endividamento público e privado e taxas de crescimento. Esse arranjo favoreceu o crescimento dos lucros e dos salários reais, em consonância com os ganhos de produtividade, elevando as receitas fiscais dos governos e estimulando o investimento das empresas.

Depois do coronavírus, o neuronavírus tem revelado enorme potencial de letalidade intelectual

Os níveis de endividamento do setor privado e do setor público, como proporção do PIB, evoluíram satisfatoriamente porque as taxas de crescimento elevadas da renda das famílias, dos lucros das empresas e das receitas fiscais dos governos permitiam resultados positivos nos balanços patrimoniais de empresas, famílias e governos.

Um certo Karl Marx investigou o papel da dívida pública na criação das condições financeiras e monetárias que deflagraram a Revolução Industrial. “A dívida pública torna-se uma das alavancas mais poderosas da acumulação. Como com um toque de varinha mágica, ela infunde força criadora ao dinheiro estéril e o transforma, assim, em capital…

Na realidade, os credores do Estado não lhe dão nada, pois a soma emprestada se converte em títulos da dívida, facilmente transferíveis, que, em suas mãos, ­continuam a funcionar como se fossem a mesma soma de dinheiro vivo. Porém, ainda sem levarmos em conta a classe de rentistas ociosos assim criada e a riqueza improvisada dos financistas que desempenham o papel de intermediários entre o governo e a nação, e abstraindo também a classe dos coletores de impostos, comerciantes e fabricantes privados, aos quais uma boa parcela de cada empréstimo estatal serve como um capital caído do céu, a dívida pública impulsionou as sociedades por ações, o comércio com papéis negociáveis de todo tipo, a agiotagem, numa palavra: o jogo da Bolsa e a moderna bancocracia.

Desde seu nascimento, os grandes bancos, condecorados com títulos nacionais, não eram mais do que sociedades de especuladores privados, que se colocavam sob a guarda dos governos e, graças aos privilégios recebidos, estavam em condições de emprestar-lhes dinheiro. Por isso, a acumulação da dívida pública não tem indicador mais infalível do que a alta sucessiva das ações desses bancos, cujo desenvolvimento pleno data da fundação do Banco da Inglaterra (1694).

Não demorou muito para que esse dinheiro de crédito, fabricado pelo próprio banco, se convertesse na moeda com a qual o Banco da Inglaterra concedia empréstimos ao Estado e, por conta desse último, pagava os juros da dívida pública. Não lhe bastava dar com uma mão para receber mais com a outra: o banco, enquanto recebia, continuava como credor perpétuo da nação até o último tostão adiantado. E assim ele se tornou, pouco a pouco, o receptáculo imprescindível dos tesouros metálicos do país e o centro de gravitação de todo o crédito comercial. À mesma época em que, na Inglaterra, deixou-se de queimar bruxas, começou-se a enforcar falsificadores de notas bancárias. 

*Publicado na edição n° 1290 de CartaCapital, em 20 de dezembro de 2023.

 

6 comentários:

Anônimo disse...

SOCORROOOOO !
(Estou ouvindo o Beluzzo chamar a Dilma de volta).

■■■A expansão de gastos que Luiz Gonzaga Beluzzo está propondo que o Brasil faça sem ter dinheiro para isso é uma experiência que o Brasil já viveu na década de 70 com a Política Econômica Desenvolvimentista feita pela Ditadura Militar e que foi repetida pelos governos do PT a partir do 2° mandato de Lula por sugestão principalmente deste mesmo Luiz Gonzaga Beluzzo.

■■■As duas experiências de tentar crescimento econômico por expansão de gastos sem o Brasil ter dinheiro resultaram em imenso fracasso e alimentaram uma crise econômica única na qual estamos até hoje.

Ou seja, o Governo Militar de 1964 já havia feito com grande fracasso isto que Luiz Gonzaga Beluzzo está propondo neste artigo e que ele mesmo já inspirou o PT a fazer a partir do 2° mandato de Lula e que resultou em outro grande fracasso e na fermentação da MAIOR recessão da história da nossa economia.

■Sim, o PT já obedeceu uma vez a esta proposta de expansão de gastos sem ter dinheiro feita por Beluzzo acreditando que com o gasto viria crescimento econômico e o resultado foi o contrário, resultando em imenso fracasso.

POLITICA DESENVOLVIMENTISTA 1
POLITICA DESENVOLVIMENTISTA 2
FRACASSO 1 - 1969a1979
FRACASSO 2 - 2006a2016

ASSISTIREMOS AO FRACASSO 3 ?

■■■O Brasil cresceu sempre de 1950 até 1980.

Para tentar acelerar o crescimento, o Governo Militar, que a partir de 1964 passou a mandar no país, começou a erguer no Brasil inúmeras empresas estatais e a querer fazer o país crescer financiado pela expansão de gastos sem ter dinheiro para isso.

Ou seja, o Governo Militar de 1964 já havia feito, com grande fracasso, isto que Luiz Gonzaga Beluzzo está propondo neste artigo e que ele mesmo já inspirou o PT a fazer a partir do 2° mandato de Lula e que resultou em outro grande fracasso e na fermentação da MAIOR recessão da história da nossa economia.

Anônimo disse...

Sim! A expansão de gastos sem ter dinheiro proposta por Beluzzo pensando que com o gasto viria crescimento econômico deu resultado contrário e resultou em imenso fracasso, e não foi a primeira vez!

■1°FRACASSO::
Desenvolvimentismo com os militares de 1964;
■2°FRACASSO::
Desenvolvimentismo com Luiz Beluzzo e PT.

MILITARES::
■Claro que a gastança dos militares deu certo no início::
=》O Brasil gastava e gastava;
=》O povão via o Brasil crescer e crescer e por isso votava nos políticos que apoiavam os militares da ditadura de 1964.

Isso foi bom ou foi mau?

■■■Isso foi mau! Muito mau!
■ Tentar provocar crescimento econômico por meio de aumento de gasto sem ter dinheiro levou a dívida do Brasil a subir e no primeiro momento em que surgiu uma crise na economia mundial, em 1981, o Brasil viveu uma recessão econômica e logo depois estagnou.

■■■Para aprendermos o quanto foi ruim tentar crescer usando a solução artificial de fazer gasto sem ter dinheiro e ficar a.c.r.e.d.i.t.a.n.d.o que a gastança ia trazer crescimento e resolver os problemas basta nós verificarmos que, depois da farra de gastos da política dita desenvolvimentista feita pela Ditadura Militar o Brasil NUNCA MAIS conseguiu sair da crise e retomar algum crescimento sustentável.

■Nós estamos nesta semi-estagnação econômica provocada pela política "desenvolvimentista" da ditadura de 1964 ATÉ HOJE, semi-estagnação esta que mostrou os primeiros sinais em 1979 e aflorou definitivamente em 1982.

LUIS BELUZO E PT::
■■■Depois da ilusão de aceleração de crescimento provocada pela ditadura militar, voltamos a experimentar a mesma ilusão em 2007, quando Lula expandiu gastos e vimos o salto de 7% do PIB que muitos pensaram ser sustentável e não passou de delírio, porque o crescimento foi mais uma vez gerado de modo artificial, por meio de nova expansão de gasto sem que tivéssemos dinheiro para isso.

■O mesmo governo que gerou a ilusão do crescimento de 7% do PIB em 2007 continuou sustentando a economia de modo artificial, por expansão de gastos e por controle artificial de preços de energia e de combustivel, além de fazer outras intervenções indevidas na economia.

■A política de intervenções indevidas na economia e de expansão de gastos sem ter dinheiro feita pelos militares de 1964 levaram a muito desemprego e a taxas de inflação altíssimas; as intervenções do PT, de mesma natureza que as dos militares da ditadura, seguiram no mesmo caminho.

Quanto altíssima, a inflação ficou nas decadas de 80 e 90?
■Não adianta falar números; vou ilustrar com uma informação::
=》Os preços das mercadorias eram remarcados 3(três) vezes por dia.

■■■Eu sei que você não acreditou, por isto vou repetir::
■Chegou um tempo em que por vários anos os preços de tudo eram remarcados 3(três) vezes POR DIA !

■■■A nossa economia já estava completamente exaurida e todo o país estava muito descrente em alguma solução.
■O Brasil havia tentado tudo para resolver a hiper-inflação, só não havia tentado ancorar o gasto com a geração de superavit. O Plano Real fez isto!

Anônimo disse...

CORTAR GASTOS PARA GERAR CRESCIMENTO E NÃO GASTAR MAIS PENSANDO QUE VAI CRESCER.

O PLANO REAL

■■■Foi então que, em 1994, com o Brasil desesperado com a hiper-inflação, fizeram uma política econômica baseada em cortar gastos e não em aumentar gastos, como o Beluzzo está propondo mais uma vez.

NASCEU O PLANO REAL

■Cortar, no lugar de aumentar gastos, acabou com a geração de déficit e o Brasil passou a gerar superavit. Como consequência e pelos mecanismos do Plano Real, foi debelada a hiper-inflação.

■■■Antes, quando gastavam mais do que arrecadavam, a política econômica gerava déficit e para cobrir o déficit era emitida mais dívida e assim a dívida aumentava. ■Quando o Brasil começou a cortar no lugar de aumentar gastos, passou a gerar superávit e a parte da arrecadação que não era gasta foi sendo usada para pagar a dívida.

Com o pagamento, a dívida passou a ter uma dinâmica diferente, parando de aumentar e começando a diminuir.

Com a inflação sob controle e a dívida diminuindo, o Brasil aproveitou o momento para fazer uma série de reformas com o objetivo de manter a situação econômica saneada, passando a cada dia a ter menos inflação, a pagar a dívida com juros menores e a ter condições de fazer planejamento; e passou a ter dinheiro para financiar políticas públicas melhores, o que antes não conseguia.

■■■Este ciclo virtuoso de gerar superavit e não déficit foi mantido até o fim do 1° mandato de Lula, porque durante a campanha eleitoral de 2002 Lula assinou um documento se comprometendo a manter a política de cortar gastos e gerar superávit e cumpriu a promessa assinada.

Este período, que foi de 1992 a 2006, foi um tempo de esperança verdadeira, porque os ganhos econômicos deste período foram ganhos sustentáveis.

■Depois o PT aceitou a sugestão errada de Luiz Beluzzo, de gastar acreditando que ia crescer, e o crescimento ilusório que o gasto cria em um primeiro momento levou Lula a esquecer o caminho seguro do Plano Real e a se aventurar em fazer gastos sem ter dinheiro.

Do mesmo modo que acontecia na ditadura aconteceu com o PT::
=》O PT gastava, o Brasil crescia.
O eleitorado via o crescimento que vinha com os gastos e votava no PT. O que o povo não via eram os desequilíbrios que iam se acumulando com a gastança sem que o Brasil tenha espaço fiscal para fazer isso.

O resultado de o PT ter feito expansão de gastos sem o Brasil ter dinheiro todos nós sabemos e o que veio com essa política foi a MAIOR recessão econômica da história de nossa economia. E com a crise econômica que essa expansão irresponsável de gastos gerou, somada à grande corrupção praticada por petistas, veio coisa pior:: veio Jair Bolsonaro, que é o pior produto dessa crise gerada pelo PT por inspiração lamentável de Luiz Gonzaga Beluzzo.

Edson Luiz Pianca
W:: (27)992382119.

Anônimo disse...

■■Obs: O crescimento de 7% do PIB(>7%) foi em 2010, resultado dos gastos feitos a partir de 2006/2007, mas que não eram gastos sustentáveis, devido a serem gastos feitos com expansão de dívida em uma situação econômica em que não havia espaço fiscal para fazer estes gastos.

ADEMAR AMANCIO disse...

Lendo e tentando aprender.

Daniel disse...

Texto brilhante de Belluzzo, um dos maiores economistas do nosso país!