quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Dani Rodrik* - Nacionalismo da maneira certa

Valor Econômico

O nacionalismo econômico que dá errado é uma política de empobrecer a si mesmo, e não de empobrecer o vizinho

Com os EUA na liderança, o mundo parece entrar em uma nova era de nacionalismo econômico, uma vez que muitos países estão priorizando suas agendas social e econômica internas e as agendas ambientais, em detrimento do livre comércio e do multilateralismo. Embora a abordagem do presidente Joe Biden seja mais comedida e aberta à cooperação do que a de Donald Trump, ela provoca preocupações entre os liberais econômicos, que veem ecos de um retorno ao protecionismo e à autarquia ao estilo dos anos 30.

Mas o “nacionalismo econômico” é uma daquelas expressões assustadoras que os liberais econômicos usam para desacreditar práticas de que não gostam. Assim como acontece com qualquer rótulo ideologicamente carregado, ele esconde mais do que revela. Afinal, o nacionalismo econômico assume muitas formas, algumas prejudiciais e outras benéficas. Além disso, alguns dos principais teóricos do nacionalismo econômico, como Alexander Hamilton e Friedrich List, eram liberais políticos.

Embora o nacionalismo econômico possa sair pela culatra quando levado a extremos, o mesmo pode ocorrer com o liberalismo econômico. Quando aplicado criteriosamente na busca de objetivos internos legítimos - como a construção de força econômica e o reforço de um sentimento de propósito nacional -, ele pode ser benéfico sem necessariamente prejudicar outros países.

O nacionalismo econômico enquadra a economia principalmente em termos de nação, tal como o nacionalismo político faz com o sistema político. A economia existe principalmente para servir a nação, assim como o Estado-nação persegue o interesse nacional.

Nenhuma das formulações tem muito conteúdo até começarmos a definir o que significa “servir a nação” e “interesse nacional”. O foco na economia nacional pode ser benigno e compatível com graus significativos de abertura ao comércio e às finanças internacionais. Segundo a teoria econômica convencional, é do interesse de um país adotar o livre comércio. Um governo que busca a autarquia abandonará os benefícios da especialização, perderá oportunidades em tecnologias de ponta e perderá o acesso ao capital externo.

Conforme argumenta o historiador Marvin Suesse, o nacionalismo econômico oscila, portanto, entre dois impulsos algo contraditórios: a tentação de restringir o intercâmbio econômico com outros países, a fim de promover a independência nacional; e o desejo de expandir os laços internacionais ao serviço do crescimento econômico nacional.

Ninguém combinou melhor esses impulsos do que os Estados “desenvolvimentistas” do leste da Ásia. Japão, Coreia do Sul, Taiwan e, mais espetacularmente, a China, confiaram em uma combinação de políticas que encorajam a integração econômica global e protegem seletivamente setores essenciais. Cada um moldou seu próprio futuro através de uma vasta gama de políticas industriais - crédito direto, subsídios, barreiras tarifárias e não tarifárias - que os ajudaram a desenvolver novas competências econômicas.

Se os Estados Unidos agirem como um valentão, impondo suas preferências políticas aos outros e tentando minar o desenvolvimento tecnológico de seus rivais, eles causarão muitos danos ao resto do mundo e poucos benefícios a si próprios

Esses não eram apenas projetos econômicos. Eram projetos nacionais de renovação, destinados a alcançar o Ocidente. Como afirma a cientista política Elizabeth Thurbon, da Universidade de New South Wales, e seus coautores, as autoridades com mentalidade desenvolvimentista “veem a capacidade fabril local, a autonomia tecnológica e a competitividade das exportações como as bases fundamentais da legitimidade politica interna, da segurança nacional, do status internacional e do prestígio, e assim estipulam um papel central para o Estado na promoção desses objetivos através de intervenções estratégicas no mercado”.

Ninguém pode negar o sucesso desses países. Seu rápido crescimento tirou centenas de milhões de pessoas da pobreza e elevou alguns deles à condição de economias avançadas em menos de duas gerações. A China se tornou não só uma potência econômica, como o principal rival geopolítico do Ocidente.

A ascensão dramática de cada país foi alvo de acusações de que ele não estava sendo aberto o suficiente e não proporcionava um acesso suficiente aos seus mercados. Os subsídios governamentais generalizados - para aço, automóveis, células solares etc. - muitas vezes minaram as posições competitivas das empresas estrangeiras e provocaram a ira de seus governos. Mesmo assim, no geral, o nacionalismo econômico do leste da Ásia foi uma benção para o resto do mundo. Mesmo com barreiras comerciais aqui e ali, os mercados aquecidos que ele criou para os parceiros comerciais foram muito maiores do que qualquer outra estratégia econômica alternativa teria produzido. Além disso, os subsídios, pela lógica dos próprios liberais econômicos, foram uma dádiva para outros países, porque ajudaram a reduzir os preços aos consumidores.

É certo que o avanço das exportações da China criou dificuldades importantes para as economias avançadas. O “choque da China” levou a perdas de empregos a longo prazo nas regiões mais expostas à concorrência chinesa, aumentando o apoio político aos populistas autoritários de direita tanto nos EUA como na Europa. Mas se alguém tem mais culpa são os governos ocidentais, por não terem conseguido gerir apropriadamente o comércio com a China (ao não liberalizarem o seu comércio mais lentamente, por exemplo). Enquanto a China conseguia um desempenho de exportação excepcionalmente forte, esses governos se agarravam a uma fé excessiva no liberalismo econômico.

É claro que o nacionalismo econômico não se saiu bem em todos os lugares. Governos demais se envolveram em um dirigismo excessivo, estimularam empresas ineficientes por tempo demais e fecharam suas economias de forma demasiadamente indiscriminada. Quando os governos cometem esses erros, é principalmente o seu próprio povo que paga o preço. O nacionalismo econômico que dá errado é uma politica de empobrecer a si mesmo, e não de empobrecer o vizinho.

O desenvolvimento do leste asiático é uma lição para o mundo de hoje. Se o nacionalismo econômico nos EUA se concentrar na criação de uma economia interna forte e inclusiva, ele fará muito bem - mesmo quando viola alguns dos princípios do liberalismo econômico. Outros países acabarão se beneficiando de uma economia americana mais saudável e uma sociedade mais coesa, e deverão ter pouco do que reclamar.

Como Suesse mostra, o nacionalismo econômico geralmente é uma resposta ao fato de ter sido deixado para trás por outros países. Aqui, a experiência atual dos EUA é um pouco diferente. Embora outros tenham avançado, especialmente a China, os EUA continuam sendo o país mais poderoso do mundo.

O risco, então, é que o nacionalismo econômico americano vá além da construção de uma sociedade melhor e da descoberta de um propósito interno. Se os EUA agirem como um valentão, impondo suas preferências políticas aos outros e tentando minar o desenvolvimento tecnológico de seus rivais, eles causarão muitos danos ao resto do mundo e poucos benefícios a si próprios.

*Dani Rodrik, professor de economia política internacional na Harvard Kennedy School, é presidente da International Economic Association.

 

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