quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Bernardo Mello Franco – Viúvas do talvez

O Globo

País ainda precisa retificar certidões de óbito de 404 vítimas da ditadura

Numa das cenas mais fortes de “Ainda estou aqui”, Eunice Paiva ergue uma certidão de óbito como se fosse um troféu. A ditadura havia matado seu marido em 1971. Ela só conseguiu o documento em 1996, depois de 25 anos de espera.

“O não reconhecimento da morte de Rubens Paiva foi a forma de tortura mais violenta a que eles poderiam submeter nossa família”, disse Eunice, interpretada no filme por Fernanda Torres. Até hoje, centenas de famílias vivem uma angústia parecida.

Ontem o Conselho Nacional de Justiça aprovou resolução que obriga os cartórios a retificarem certidões de óbito de vítimas do regime militar. “Embora nunca tenha havido um pedido formal de desculpas, como deveria ter havido, pelo menos estamos tomando as providências possíveis de reparação moral”, disse o ministro Luís Roberto Barroso.

A medida estava entre as recomendações da Comissão Nacional da Verdade, encerrada em 2014. O Estado levou mais uma década para implementá-la.

De acordo com o Ministério dos Direitos Humanos, o país ainda deve a retificação dos assentamentos de óbito de 404 mortos e desaparecidos. A obrigação só foi cumprida em 38 casos, afirma o ex-ministro Nilmário Miranda.

Ao justificar a resolução, Barroso lembrou o ex-deputado Alencar Furtado, um autêntico do velho MDB. Em 1977, ele desafiou a ditadura com uma alusão às famílias dos desaparecidos: “Para que não haja esposas que enviúvem com maridos vivos, talvez; ou mortos, quem sabe? Viúvas do quem sabe ou do talvez”. Foi cassado três dias depois pelo general Ernesto Geisel.

No Brasil, observou Barroso, “às vezes as pessoas se ofendem com o que fizeram”. “As pessoas questionam o termo golpe, mas esse é o nome que, em ciência política e na teoria constitucional, se dá à destituição do presidente da República por um mecanismo que não esteja previsto da Constituição”, pontuou.

O ministro disse o óbvio, mas isso já representa algum avanço. Em 2018, o Supremo era presidido por Dias Toffoli. Empenhado em agradar os militares, ele declarou que preferia chamar o golpe de “movimento”.

 

2 comentários:

ADEMAR AMANCIO disse...

Movimento?!

Anônimo disse...

Este Toffoli, embora ria de nós, incorpora o negocismo com moeda de troco do cargo que ocupa. Um vestal mulambento sem dignidade