Valor Econômico
Se o Centrão já havia majorado o preço para o
governo depois da queda de popularidade, fará o mesmo com o bolsonarismo
garantindo um espetáculo de boa bilheteria
Depois da denúncia e julgamento da Lavajato, o PT perdeu duas eleições presidenciais consecutivas, viu a base municipal do partido ser dizimada e a bancada na Câmara dos Deputados perder um quinto de suas cadeiras. A revelação dos vícios daquela operação e dos erros no julgamento dela decorrente permitiu a volta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao poder, mas à frente de uma maioria eleitoral e política muito mais apertada e acossada pelo extremismo de direita adubado pelo lavajatismo.
Concluída a denúncia da Procuradoria Geral da
República é natural, portanto, que a indagação geral da República recaia sobre
seu impacto nas eleições de 2026. O precedente da Lavajato e a sobriedade de
Paulo Gonet permitiram uma acusação que, fartamente apoiada na delação premiada
do ajudante de ordens da Presidência, coronel Mauro Cid, cuidou de ampará-la
com documentos, mensagens, registros e outros depoimentos a respaldar a
acusação de que o ex-presidente Jair Bolsonaro não apenas sabia de tudo como foi
partícipe ativo das tratativas de golpe. Tratou ainda de situá-la como um
intento de subversão da democracia que deveria ser rechaçado por qualquer
agrupamento político que dela tira seu sustento. Só descuidou de uma revisão da
ortografia e da nomenclatura militar.
Se a prisão do ex-presidente é o cenário mais
provável, face à vigilância reforçada sobre as fronteiras, ainda não dá pra
apostar que o bolsonarismo esteja dizimado. O golpismo é amplamente rechaçado
pela população, mas há um espólio em disputa. Os contendores já saíram em
defesa de Jair Bolsonaro embora nenhum deles tenha tanta vantagem nesta seara
quanto Eduardo Bolsonaro (PL-SP). O deputado federal que o coronel Cid disse
ser o mais golpista da prole bolsonarista embarcou para Washington no mesmo dia
da denúncia. Na noite desta quarta, publicou em suas redes o discurso em que
Steve Bannon diz que Bolsonaro será assassinado na cadeia. Caso seja preso,
frisou o 03.
Bolsonaro conta ainda com a manobra
intimidatória da ação movida nos Estados Unidos pelas empresas de Donald Trump
contra Alexandre de Moraes, acusado de afrontar a jurisdição da Justiça
americana sobre suas empresas nos casos em que ministro impôs multas e remoção
de conteúdo digital.
Se parece claro que a família espera contar
com a pressão do trumpismo, ainda não está claro o quanto a defesa de Bolsonaro
vai pontificar sobre a extrema direita brasileira, que já domina o jogo da
atenção. O início da temporada das transmissões ao vivo das sessões pode ter um
efeito rebote sobre quem já está cansado do assunto e quer virar a página.
Quanto mais o PT investir na exploração do
tema, mais a oposição, do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) ao
governador Tarcísio de Freitas, vai explorar Pix, Janja, inflação, banheiro
feminino, privilégios do Judiciário e saidinha de presos. Com a previsão de que
o julgamento já seja iniciado em abril, a onipresença do golpismo em eleição de
2026 pode vir a ser mitigada, a depender de quem vai conduzir a estratégia.
Não se esperem mudanças estruturais em
decorrência deste julgamento, como a revisão do artigo 142 da Constituição, que
escudou os golpistas no cortejo aos comandantes militares. Não existisse brecha
para intervenção interna, não haveria minuta, nota de comandantes, cartas ou
reuniões para tentar dobrar as Forças Armadas a este golpe “dentro das quatro
linhas”. Mexer nisso respaldaria a defesa de Bolsonaro, diz um veterano do
Congresso, respaldando a percepção de que o embate em curso pode ensejar tudo, menos
racionalidade.
De ambos os lados. Se foi discreto em relação
à denúncia, advogando a “presunção de inocência”, o presidente tem dobrado a
aposta na distopia discursiva a ponto de aliados já se perguntarem se isso
acontece apesar do novo ministro da Secretaria de Comunicação, Sidônio
Palmeira, ou por causa dele. Depois de sugerir que o consumidor não compre o
que está caro foi a vez de Lula atacar a cadeia de intermediação dos
combustíveis onde têm lugar, inclusive, 27 governadores que cobram impostos
legais e recentemente referendados em sua nova roupagem pela reforma tributária
encabeçada pelo Ministério da Fazenda.
Se a campanha será polarizada e radicalizada
pelo apelo à indignação, Lula parece também buscar seu assento nessa nau
desgovernada. Mas se a oposição está descompromissada da governabilidade ou dos
impactos de seu discurso sobre a expectativa dos agentes econômicos, este não é
o caso do presidente da República.
A corda esticada entre o bolsonarismo e o
governismo favorece o “poder moderador” do Centrão. O processo que se avizinha
servirá para conter o apetite da extrema direita num ano em que, para raspar o
tacho, é preciso manter, com o Executivo, as pontes que o bolsonarismo quer
implodir - a começar pela reforma ministerial, que tem chances de piorar o que
já é muito ruim. O ânimo ante a proximidade da exclusão definitiva de Bolsonaro
de 2026, foi resumido pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP): “Anistia
não é assunto dos brasileiros”.
Se o Centrão já havia majorado as condições
de seu apoio a Lula depois do declínio na popularidade, a denúncia oferece a
oportunidade de uma remarcação de preços para o outro lado da arquibancada. Com
isso, o Centrão continuará a dominar o jogo com chances de uma boa bilheteria.
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