quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

Implicações previsíveis - William Waack

O Estado de S. Paulo

Mesmo a denúncia não tira de Bolsonaro papel central na direita brasileira

A denúncia e a esperada condenação de Jair Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado têm pelo menos duas previsíveis implicações. Embaralham o cenário da sucessão em 2026 e aumenta o descrédito em largas parcelas da população brasileira em relação a instituições como o STF.

O roteiro que Bolsonaro pretende seguir é idêntico ao de Lula em 2018 – anunciar sua candidatura mesmo inelegível e mesmo se estiver na cadeia (hipótese nada desprezível). Esse script circunscreve um “herdeiro” ao âmbito da sua família, complicando consideravelmente articulações de centro-direita na busca de candidatos à Presidência entre os atuais governadores.

A robustez da peça acusatória está muito longe de compensar a disseminada percepção de que Bolsonaro é vítima de perseguição judicial perpetrada por adversários políticos, entre os quais figura o Judiciário. Justa ou não, essa percepção do papel dos julgadores é um dado da realidade política brasileira.

Vale lembrar qual era a percepção em relação ao STF quando julgou o mensalão e o petrolão. Em boa parte a atuação dos juízes era vista como “fazendo justiça” – tratando-se de corrupção, justiça pela qual há muito se ansiava. E a reversão da Lava Jato no STF, ao contrário, figura como escárnio para vastas parcelas da sociedade.

Mais difícil é avaliar o alcance do impacto da situação jurídica de Bolsonaro na relação entre Congresso e STF. O conflito é bem antigo e está crescendo, mas sua temperatura depende do oportunismo de vários caciques do Centrão. No momento, não parecem dispostos a comprar uma briga por Bolsonaro na questão da anistia.

Quanto a Lula, a denúncia de Bolsonaro traz alívio apenas passageiro, desviando por alguns dias o foco do noticiário. Fenômeno que deve se repetir quando começar o espetáculo do julgamento. Porém, tem escassa capacidade de remediar por si só a perda de popularidade. Essa questão está ligada diretamente à própria figura de Lula, envelhecido, desgastado e sem ideias.

O “imponderável previsível” nesse cenário é qual ajuda Donald Trump prestaria a Bolsonaro. O governo americano já está exercendo pressão sobre o Brasil e o STF via a Organização dos Estados Americanos e é alta a probabilidade de que a aplicação de tarifas se amplie para uma dura disputa política sobre o papel do Judiciário brasileiro na regulação das redes sociais e questões de liberdade de expressão na linha do que Elon Musk e o vice-presidente J.D. Vance vêm abordando.

Sem uma voz e sem articulação clara, a centro-direita é que vai se sentir espremida. •

 

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