O Globo
Dai uma guaribada na minha imagem, recuperai
minha popularidade e fazei com que eu continue no páreo em 2026
Recorro a vós, São Sidônio Apolinário — bispo
de Arveni, na Gália, e genro de Epárquio Ávito, imperador romano —, não só
porque vos tornastes santo apesar de terdes mais fé na política que na
religião, mas, principalmente, por Santa Rita de Cássia e São Judas Tadeu,
padroeiros das causas impossíveis, estarem com a agenda lotada depois da
denúncia da PGR.
Vós, que nestes mais de 1.500 anos desde que fostes canonizado, não tendes nenhum milagre no currículo, não desperdiceis a oportunidade que vos ofereço de tirar esse atraso — e em grande estilo: dai uma guaribada na minha imagem, recuperai minha popularidade e fazei com que eu continue no páreo em 2026.
Errei, sim. Não fiz quase nada do que prometi
e, para compensar, fiz muita coisa que jurei não fazer. Lembrai-vos do sigilo
de 100 anos? Pois é. Da Autoridade Climática? Não teve clima — ainda mais com
essa lenga-lenga do Ibama de querer proteger o meio ambiente. Prometi lutar
contra a corrupção (prometi? são aquelas coisas que a gente diz no calor da
hora...), mas a vingança contra a Lava-Jato falou mais alto. Dizem que o Brasil
caiu ainda mais no ranking e voltou a ser percebido como um dos países mais corruptos
do mundo. E eu lá tenho alguma coisa a ver com isso?
Só busco o melhor para o povo, e esse ingrato
não entende que o dinheiro que quero tirar do seu bolso com o imposto sindical
é para o seu bem. Que tomar parte do salário para o FGTS e depois
oferecer empréstimo consignado, com juro mais alto, é em seu benefício. Houve
rombo em estatais, em fundos de pensão — e desde quando estatal ou fundo de
pensão foi feito para dar lucro?
A grana não deu para a picanha? Come alcatra.
Não tem alcatra? Come ovo. Não tem ovo? É só fazer como eu e criar ema e
jabuti. (Me recomendaram uma simpatia com ovo de pata, de ema, de jabuti e —
que a Marina não nos ouça — de tartaruga, mas ainda não surtiu efeito.)
Cada vez que alguém é assassinado por causa
de um celular, volta a circular aquele vídeo em que parece que estou defendendo
o ladrão. Minha mulher mandou o homem mais rico e poderoso do mundo ir se
f#@$*, tem gastado milhões em autopromoção e, injustamente, se tornou a rainha
consorte — digo, a primeira-dama — mais impopular desde Carlota Joaquina. Que
fiz eu para merecer isso? Os problemas deste país, São Sidônio, não são a
violência ou o desperdício de dinheiro público, mas as fake news, a Lei da Ficha
Limpa e os antepassados do Walter
Salles, da Maria Rita Kehl e da Maria Beltrão.
Tá, eu falo demais, e o dólar sobe. Eu gasto
demais, e a economia desanda. Mas gastança é saúde, gastança é vida.
Responsabilidade fiscal é coisa de burguês neoliberal. Uma inflaçãozinha de 4%,
6%, 10% não dói. Isso depois a gente resolve. Depois da eleição. Porque uma
eleição perdida a gente não recupera nunca mais.
Eu vos escolhi, São Sidônio, porque careço de
vosso lobby, em horário integral, para que as leis da economia sejam revogadas
e — como um segundo milagre vos cairia muito bem — apareça alguém mais
impopular que eu para disputar comigo em 2026. Minha sucessora, em 2013, disse
que faria o diabo para se eleger e deu no que deu. Sei que não sois um santo de
primeira linha, mas estais longe de ser o Tinhoso. Quebrai-me este galho, São
Sidônio, e em 2027 a gente conversa. Amém.
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