quinta-feira, 18 de dezembro de 2025

Voto de Gilmar Mendes do STF cria um marco temporal 2.0. Por Thiago Amparo

Folha de S. Paulo

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil vê pontos preocupantes no voto do relator

Ministro criou muitas condicionalidades para os direitos indígenas

"Estão matando os índios guaranis do sul do Mato Grosso (...) Os jovens índios, quando abrem os olhos para o mundo em que lhes cumpre viver, se matam às dezenas. Suicidam-se. Mas na verdade são mortos pelo desprezo vil dos invasores de suas terras."

Foi assim, contundente, que Darcy Ribeiro iniciou seu artigo na Folha em 1996, republicada agora como uma das 105 colunas de maior impacto. Trinta anos depois, o texto continua atual.

O vaivém do marco temporal para demarcação de terras indígena entre o Senado e o STF pode ser, por um lado, lido como mais uma história de embate entre o Congresso, que tem há anos adotado política antiambiental e anti-indígena, e o STF, que formou maioria nesta quarta (17) contra o marco temporal. A realidade, no entanto, é mais complexa: a história inclui o vaivém do próprio Supremo, por culpa própria, na proteção de indígenas.

Segundo a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), há pontos preocupantes sobre o voto do relator Gilmar Mendes. O ministro fragiliza a segurança fundiária de povos indígenas ao prever que estes possam receber alternativamente outras terras "equivalentes às tradicionalmente ocupadas" e ao limitar a cinco anos o prazo para que se revise a extensão territorial de terras indígenas.

Pior: Gilmar Mendes cede a interesses poderosos. O relator amplia a participação de estados, municípios e terceiros no processo de demarcação, dando voz a interesses anti-indígenas locais; aumenta os casos de exploração econômica em terras indígenas sem vetar as atividades de alto impacto ambiental; prevê a indenização pelo valor da terra nua e pelas benfeitorias como condição para a demarcação.

Depois de falhar, como já era esperado, em conciliar invadidos e invasores, o voto do relator Gilmar Mendes do STF é nominalmente contrário à tese do marco temporal, o que era o mínimo que se esperava diante do precedente de 2023 em que a corte havia derrubado a tese.

Gilmar, no entanto, cria tantas condicionalidades para direitos indígenas que, de fato, constitui um Marco Temporal 2.0.

 

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