terça-feira, 9 de dezembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Doutrina Trump semeia instabilidade regional

Por Folha de S. Paulo

Republicano amplia ameaça à Venezuela a outros países da América Latina e revive obsoleta Doutrina Monroe

Documento sugere intimidação bélica ao enfatizar que é preciso reajustar presença militar e "garantir que países da região sejam estáveis"

Uma potencial derrubada do regime de Nicolás Maduro por pressão ou ataque militar dos EUA não traz perspectiva de pacificação em curto prazo na Venezuela. Ao contrário, ameaça levar o país à ebulição e, pior, criar precedente para intervenções semelhantes na América Latina.

Não pode restar dúvida de como é nefasta a presença de uma ditadura na região —que transitou de regimes de exceção para o Estado de Direito e ainda vê-se exposta a riscos pontuais para a democracia. O atual isolamento do chavismo evidencia o grau de contrariedade de seus vizinhos.

As ações autoritárias de Maduro para manter-se no poder nos últimos 13 anos, sobretudo a burla ao resultado da eleição de 2024, causam malefícios indizíveis aos venezuelanos que permanecem no país e a cerca dos 8 milhões de refugiados e migrantes.

A brutal repressão da cidadania alia-se à desastrosa gestão governamental, evidenciada pela contração de 75% do Produto Interno Bruto do país de 2013 a 2021, segundo cálculos do Fundo Monetário Internacional.

Nada seria mais bem-vindo na América Latina do que uma transição planejada na Venezuela, a partir da renúncia de Maduro.

Pela via da intervenção militar da maior potência global, porém, o cenário provável será de resistência das milícias armadas pelo regime e de um vazio de poder a ser preenchido por uma ala da oposição sem apoio das demais e confrontada pelo chavismo.

Neste momento, a presença da Quarta Frota dos Estados Unidos no Caribe e seus mais de 20 ataques a embarcações supostamente carregadas de drogas —num caso resultando até nas mortes, por meio de um segundo bombardeio, de sobreviventes feridos— traz mais do que incômodo à maioria das nações da região.

O quadro se agrava com a escalada recente de ameaças feitas por Donald Trump de iniciar ataques terrestres na Venezuela, sob acusação de conivência de Maduro com o narcotráfico, e de não limitar-se àquele país.

Tal visão foi reforçada com a nova estratégia de segurança, divulgada pela Casa Branca na sexta (5), que se aproxima de uma retomada da velha Doutrina Monroe —política gestada no século 19 que serviu como justificativa ideológica para a atuação intervencionista dos EUA na América Latina durante a Guerra Fria.

O texto sugere intimidação bélica ao enfatizar que Washington precisa reajustar sua "presença militar global" para combater "ameaças urgentes" e garantir que países do continente sejam "razoavelmente estáveis e bem governados para prevenir e desencorajar a migração em massa".

O documento talvez excite saudosistas ao pregar a "preeminência americana no hemisfério ocidental". Mas, em essência, a estratégia é incompatível com o atual ordenamento internacional. Abandonar a diplomacia e valer-se da força terá consequências nefastas —mesmo contra uma ditadura que já foi longe demais.

Xerife sem munição

Por Folha de S. Paulo

Tensão entre governo e Senado trava indicação para a CVM; percepção de má gestão mina investimentos

Com presidente interino em fim de mandato e só mais 2 diretores no colegiado, autarquia pode iniciar 2026 sem capacidade de tomar decisões

A poucos dias do fim deste 2025, persiste a incerteza sobre a recomposição do colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A autarquia, essencial para a regulação do mercado de capitais, corre o risco de iniciar o próximo ano paralisada, pois o mandato do presidente interino, Otto Lobo, termina neste mês e o governo ainda não indicou novos nomes.

Sem quórum, com apenas mais 2 diretores em exercício num colegiado que deveria ter 5 membros, decisões estratégicas e processos podem ficar suspensos, gerando insegurança jurídica e atrasos em ofertas públicas e julgamentos administrativos.

O impasse ocorre em meio a relações estremecidas entre o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente do SenadoDavi Alcolumbre (União Brasil-AP), devido à indicação de Jorge Messias para o Supremo Tribunal Federal. Essa tensão política, com razões mesquinhas dos dois lados, dificulta nomeações para órgãos reguladores, que também são submetidas ao Senado.

Nos últimos anos, o mercado financeiro brasileiro ganhou sofisticação e complexidade e é cada vez mais relevante para o financiamento da economia, mas permanece supervisionado por instituições fragilizadas. Trata-se de crise silenciosa que afeta diretamente a credibilidade do país —e não apenas porque abre brechas para casos de lavagem de dinheiro pelo crime organizado.

Enquanto o volume de negócios no mercado de capitais explodiu, com transações envolvendo novas estruturas de fundos de investimento, operações de securitização, criptoativos e ativos digitais, a estrutura da CVM esteve longe de acompanhar esse processo de crescimento.

Soma-se a isso a morosidade recorrente do governo em nomear integrantes para sua diretoria. Para piorar, esses postos —historicamente ocupados por nomes escolhidos por critérios técnicos— passaram a despertar a cobiça do mundo político.

Quando o regulador não tem capacidade plena de fazer cumprir a legislação, fiscalizar, padronizar regras e inovar, o investidor percebe maior risco, e isso tem um custo elevado para o país.

Num ambiente global em que mercados competem por capital e projetos, a percepção dos investidores sobre a governança faz toda a diferença nas decisões de alocação dos recursos.

O Brasil tem uma escolha entre manter reguladores fragilizados diante de um mercado em rápida expansão ou fortalecê-los com autonomia, equipes qualificadas e comando estável. Um mercado saudável depende de confiança.

A imprudência de Toffoli

Por O Estado de S. Paulo

Por que o ministro não pagou do próprio bolso uma simples viagem privada, preferindo aceitar carona num avião particular com um advogado envolvido num processo que poderia ficar sob sua alçada?

A revelação de que o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), viajou em jatinho privado com Augusto de Arruda Botelho – advogado de um dos implicados na suspeita de fraude envolvendo o Banco Master – para assistir à final da Libertadores, em Lima, não é menos escandalosa pelo fato de, no momento do embarque, o ministro, em tese, não saber que seria sorteado relator do caso no STF. Mesmo antes do sorteio, a prudência já impunha a Toffoli a compostura esperada de um ministro da mais alta Corte do País, evitando situações que pudessem suscitar dúvidas sobre sua independência.

É legítimo questionar, portanto, por que Toffoli não custeou com recursos próprios uma viagem de caráter pessoal para assistir a um jogo de futebol, optando por aceitar carona num avião de um empresário junto com um advogado diretamente interessado no desfecho de um processo que poderia ficar sob sua alçada – como ficou. Ao se deixar envolver nessa mixórdia, Toffoli sinaliza, em primeiro lugar, que não se importa com o escrutínio público. Ademais, autoriza que a sociedade veja com suspeita quaisquer decisões que ele tome envolvendo o Banco Master, seu controlador, Daniel Vorcaro, e Luiz Antonio Bull, executivo do banco representado pelo sr. Botelho.

Exigir de Toffoli mais compostura não é um capricho moralista deste jornal. Juízes formam uma classe especial de servidores públicos, dos quais se exige um padrão de conduta muito mais rigoroso na República. Aos magistrados não basta cumprir as leis e se comportar de acordo com os mais elevados padrões éticos – é preciso parecer que assim procedem. Disso advém a confiança dos cidadãos que, por meio do pacto social civilizatório, outorgam ao Judiciário o enorme poder de decidir suas lides. Logo, para um juiz, a aparência de imparcialidade é condição indispensável à sua autoridade, inclusive moral.

Há poucos dias, Toffoli arrogou para seu gabinete a competência para presidir as investigações do caso Master, alegando suposta conexão com uma transação imobiliária entre o deputado federal João Carlos Bacelar (PL-BA) e Vorcaro. Não há, contudo, nexo causal capaz de justificar o deslocamento da investigação para o foro do Supremo, manobra da qual já tratamos mais detalhadamente no editorial Caso Master toma rumo estranho, publicado no dia 5 passado.

É nesse contexto que se torna ainda mais grave o fato de o ministro ter viajado a lazer com um advogado diretamente interessado no desfecho de um processo sob sua relatoria. No dia 28 de novembro, Toffoli e Botelho deixaram São Paulo rumo a Lima por volta das 10h da manhã. Poucas horas depois, a reclamação que pedia o deslocamento de competência foi protocolada pela defesa do Banco Master no STF. No final daquela mesma tarde, Toffoli foi sorteado relator. Não se trata aqui de sugerir qualquer conluio entre juiz e parte – daquele tipo que o próprio Toffoli tem denunciado para riscar a Lava Jato da História –, mas de questionar se um ministro minimamente cioso da responsabilidade do cargo que ocupa poderia se permitir tamanha imprudência, para dizer o mínimo.

Toffoli pode manter suas amizades, predileções esportivas ou relações pessoais da maneira que melhor lhe aprouver. Ele tem o direito de viajar, torcer e conviver com quem desejar. Mas, do alto do cargo de ministro do STF, a Toffoli não é dado o direito de fazê-lo sem se importar com as consequências jurídicas e institucionais de seus atos. E é o que parece acontecer. Essa não é a primeira vez que Toffoli dá sinais de que não se sente obrigado a prestar contas de seu comportamento perante a sociedade, como se não estivesse submetido a controle algum. Afinal, qual o sentido de aceitar carona em um voo privado com um advogado que atua em causa bilionária sob sua jurisdição?

Toffoli poderia ter evitado tudo isso com uma conduta simples e republicana: viajar por conta própria, sem trazer para sua esfera privada alguém que depende de suas decisões como juiz para obter êxito profissional e financeiro. Por isso, diante da gravidade do quadro e do impacto direto que tais circunstâncias têm sobre a percepção de imparcialidade não só dele, como também do STF, impõe-se ao ministro o dever de se afastar da relatoria do caso Master. Não como concessão a pressões externas, mas como respeito à dignidade da magistratura, à Corte e ao País.

Doutrina Trump e a nova desordem global

Por O Estado de S. Paulo

Casa Branca rompe oficialmente com a ordem de 1945 e transforma aliados em alvos e o Hemisfério Ocidental em zona de influência, ao mesmo tempo que acomoda autocracias como Rússia e China

As Estratégias de Segurança Nacional dos Estados Unidos costumavam ser documentos programáticos. A de Donald Trump, divulgada na semana passada, é a codificação de uma ruptura doutrinária. Pela primeira vez desde 1945, Washington abdica explicitamente da gramática que sustentou a ordem liberal – alianças, previsibilidade, contenção e distinção moral entre democracias e autocracias. A administração Trump oferece, em seu lugar, um amálgama de identitarismo, interesses imediatos e transações personalistas. Trata-se de uma visão de mundo tão improvisada quanto radical. E, ainda assim, suficientemente articulada para reconfigurar o sistema internacional.

O abandono da ordem pós-1945 é explícito. O documento não fala em “mundo livre” nem em liderança democrática, mas em soberania absoluta, competição civilizacional e “realismo flexível”. Regras importam menos do que preferências; compromissos, menos do que barganhas. A política externa americana deixa de ser fiadora da ordem liberal e assume a lógica das esferas de influência – inclusive reconhecendo, de modo tácito, a da Rússia. A distinção entre aliados e autocratas dissolve-se na medida em que ambos são avaliados segundo um critério único: a utilidade imediata para os EUA.

Esse revisionismo é mascarado por um discurso de retração. Trump promete não impor valores e evitar aventuras externas, mas o documento advoga abertamente por intervir no debate interno europeu, apoiar movimentos nacionalistas e remodelar o equilíbrio político do continente. É uma doutrina anti-intervencionista que intervém, e se diz pacifista enquanto militariza o Caribe. Nada disso sinaliza coerência, mas sinaliza poder. A Europa, em particular, aparece não como parceira estratégica, mas como alvo ideológico. Governos eleitos são descritos como elites ilegítimas, a imigração é tratada como ameaça civilizacional, e a União Europeia, como entrave à liberdade. O efeito imediato é a erosão da confiança transatlântica; o efeito de longo prazo é o enfraquecimento da Otan e o incentivo ao irredentismo russo.

No Hemisfério Ocidental, a ruptura é ainda mais profunda. O chamado “Corolário Trump” à Doutrina Monroe (“América para os americanos”, de 1823) transforma a região em prioridade militar dos EUA, com operações letais contra cartéis, presença naval ampliada e vigilância sobre minerais estratégicos e cadeias críticas. Países “alinhados” são recompensados; governos divergentes, tolerados, desde que cooperem em migração, crime organizado e contenção de potências extrarregionais. Para o Brasil, isso implica maior pressão sobre 5G, terras raras, portos e parcerias com a China. Trata-se, em essência, da restauração de uma esfera de influência cuja legitimidade o próprio Direito Internacional já havia repudiado.

O pano de fundo é a normalização das autocracias. O documento ignora violações russas, poupa ditaduras do Golfo Pérsico, suaviza críticas à Índia e reenquadra a China de rival geopolítica a mera concorrente econômica. Democracias são admoestadas; autocratas, bajulados. A bússola moral que guiou a política externa americana desde Truman (1945-1953) é substituída pelo pragmatismo de curto prazo – e, paradoxalmente, por uma retórica civilizacional que ecoa movimentos antiliberais em todo o Ocidente.

Nenhuma dessas escolhas torna os EUA mais seguros. Ao contrário: a estratégia incentiva as aventuras de Moscou, fragiliza a coesão europeia, aprofunda a competição sino-americana e transforma o continente americano em palco de tensões que poderiam ser geridas diplomaticamente. Mais grave: desmoraliza a noção de que a força norte-americana é inseparável das normas que ela própria ajudou a criar.

Resta uma dúvida: até que ponto essa doutrina sobreviverá ao próprio Trump? A incoerência interna, o caráter volátil do presidente e a resistência de instituições americanas talvez limitem sua implementação. Mas a simples existência dessa estratégia – articulada, oficial e ideologicamente carregada – já prenuncia uma era pós-liberal. Uma era em que a ordem construída em 1945 deixa de ser horizonte e passa a ser, para Washington, apenas uma lembrança incômoda.

De novo a farra eleitoral

Por O Estado de S. Paulo

Manobra no Orçamento permite ao governo Lula doar cestas básicas e tratores em meio à campanha

Em julho de 2022, quando o mundo político estava prestes a entrar no chamado “defeso eleitoral” – período de três meses anterior ao calendário de votação, quando fica suspensa boa parte da liberação de benesses públicas –, o Congresso aprovou, em votação ágil de 20 minutos, dois projetos que autorizavam o governo de Jair Bolsonaro a distribuir de cestas básicas a tratores em plena campanha e até realocar verbas de um município a outro, dependendo da conveniência. As medidas ampliavam o nível de obscuridade do chamado “orçamento secreto”, escândalo denunciado pelo Estadão, que consistia na liberação de gastos com emendas sem que o nome do parlamentar fosse divulgado ou mesmo o destino dos recursos públicos.

Pois eis que Bolsonaro fez escola e agora, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, medida idêntica foi aprovada pelo Congresso, de forma igualmente sorrateira, em manobra na votação do texto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2026. Um dos artigos do texto permite ao governo fazer a doação de benefícios, como cestas básicas, ambulâncias, tratores e outras benesses, mesmo no período de campanha, quando a lei eleitoral proíbe esse tipo de prática justamente para garantir a lisura do pleito e impedir o abuso do poder econômico na disputa.

Além de representar uma total desqualificação da Justiça Eleitoral, passando por cima de critérios básicos de equidade de condições entre os candidatos, o tal artigo é mais um drible para garantir a farra de distribuição de recursos públicos em 2026. Soma-se ao inédito calendário elaborado no acordo entre o Executivo e o Congresso para garantir a distribuição de R$ 19 bilhões em emendas parlamentares ainda no primeiro semestre do ano que vem – portanto livre das restrições eleitorais –, ao aumento de cerca de R$ 160 milhões em despesas dos partidos e à previsão de R$ 1 bilhão para o Fundo Partidário e mais R$ 4,9 bilhões para o Fundo Eleitoral em campanhas partidárias.

E todo o tipo de argumento mal fundamentado é suficiente para sustentar o aval de deputados e senadores a uma medida que claramente desrespeita a lei eleitoral que, ao menos em teoria, é o instrumento jurídico que deve prevalecer em qualquer eleição. Ao defender o dispositivo que abre as torneiras das verbas públicas durante a campanha, o relator na matéria, deputado Gervásio Maia (PSB-PB), afirmou ao Estadão que a lei não proíbe inauguração de obras durante a campanha, mas somente a participação de candidatos. Por essa lógica, diz, também não se pode “proibir algo que acontece na administração pública”.

A questão é que isso significa corromper os princípios éticos básicos que garantem a lisura do processo eleitoral, além de ameaçar o compromisso fiscal do Orçamento federal ao abrir espaço para a farta distribuição de máquinas agrícolas, ambulâncias, tratores e outros equipamentos a municípios. Mas, ao que parece, respeito a limites éticos e legais está um tanto démodé em Brasília.

China dribla cerco dos EUA com superávit comercial de US$ 1 tri

Por Valor Econômico

Pequim intensificou a triangulação de suas mercadorias pelos países do Sudeste Asiático para chegar aos EUA, e fez sua moeda acompanhar a desvalorização do dólar

A China conseguiu uma proeza ao ultrapassar pela primeira vez, e em apenas 11 meses, US$ 1 trilhão de saldo comercial, em meio a uma guerra tarifária com a maior economia do mundo, os Estados Unidos. O trunfo chinês leva em conta as experiências com o protecionismo americano no primeiro mandato de Donald Trump e combina várias receitas prosaicas. Uma delas, ainda importante, é a continuidade da triangulação de suas mercadorias pelos países do Sudeste Asiático, que pagam bem menos impostos de importação que a China (19% contra 47%). Diante de turbulências, o yuan apegou-se mais uma vez ao dólar, acompanhando a desvalorização de 10% da moeda americana em relação a uma cesta de moedas, beneficiando-se especialmente dela para exportar muito mais para a União Europeia, por exemplo. Os vultosos investimentos produtivos chineses ao redor do mundo alavancaram suas vendas, assim como os financiamentos a projetos do qual participam em dezenas de países.

A situação seria bem diferente caso o comércio global tivesse sido gravemente afetado pela guerra comercial de Trump. No curto prazo, pelo menos, não aconteceu a catástrofe prevista. As transações de bens e serviços entre países avançarão ao redor de 3%, algo muito distinto da paralisia ou do crescimento raquítico de 0,5% previsto sob o choque inicial das medidas tomadas pelos EUA. Além disso, o próprio Trump foi calibrando a magnitude da taxação, de forma que a tarifa média efetiva, que chegou a atingir 18,5%, hoje está ao redor de 12%.

A tarifa sobre produtos chineses continuou muito alta, mas a de seus principais parceiros comerciais no Sudeste Asiático, para onde deslocou seus investimentos há poucos anos, é menor. Para abastecer a região de manufaturados e de insumos para sua produção, a China exportou para a região US$ 245,2 bilhões, o dobro de cinco anos atrás e 8,2% mais no ano até novembro. As exportações diretas para os EUA caíram 29%. Mesmo sob tarifas punitivas do país, teve superávit de US$ 25 bilhões em outubro. Por outro lado, as vendas externas dos países asiáticos, excluindo China, para os EUA deram um salto de 27,7% até outubro. Enquanto os EUA foram o maior mercado para o Vietnã, a China foi o principal fornecedor de importações vietnamitas.

A desvalorização do yuan permitiu que as exportações da China para a União Europeia disparassem, atingindo US$ 266 bilhões no ano até novembro, com alta de 15%. As exportações para a América Latina lhe renderam 7,1% mais divisas, ou US$ 276,1 bilhões. Vendas para a África, continente na qual Pequim tem investido pesadamente, subiram 27%.

A outra face do aumento do superávit comercial foi o baixo crescimento das importações, de 1,9%, ante 5,9% das exportações (dados de outubro). Os enormes saldos comerciais, parcialmente prejudicados pelas ações de Trump, pressionam pela valorização do yuan. Mas, em meio a mais uma tentativa de redirecionar os motores da economia, o governo chinês tem interesse em uma valorização controlada, que torne as importações mais baratas para estimular o consumo. Os bancos estatais chineses agiram comprando dólares para evitar a apreciação cambial. O consumo se retraiu desde o estouro da bolha imobiliária, que ainda produz consequências.

A notícia do enorme superávit comercial veio acompanhada de outra, a possível quebra da sexta maior construtora do país, a China Vanke, em dificuldades para pagar compromissos de curto prazo, o que ressalta o pesadelo imobiliário em curso. A empresa foi auxiliada por uma sociedade com a estatal do metrô de Shenzhen, com injeção de capital e sem sucesso. Uma das razões do fracasso é a contínua queda dos preços dos imóveis que ocorre nas 70 maiores cidades do país desde 2022, quando a bolha estourou.

O Politburo, órgão de decisão máxima do Partido Comunista da China, logo do Estado chinês, reafirmou ontem a orientação de “manter a demanda interna como principal motor e construir um mercado doméstico forte”. A diretriz será seguida por “política fiscal mais proativa e política monetária adequadamente flexível”. As vendas externas dão grande impulso às atividades econômicas e escoam o excesso de capacidade existente em vários setores da indústria, enquanto o mercado doméstico tem consumo retraído, os preços ao produtor caem sem parar e o país enfrenta deflação. O índice de preços ao consumidor subiu 0,1% em outubro e caiu 0,3% em 12 meses.

A taxa de juros foi reduzida e a política fiscal despejou quase US$ 1,5 trilhão em títulos, em especial para os governos regionais, parte deles destinada à compra de estoques de imóveis inacabados. Pequim tem cumprido as metas de crescimento de 5% (2025), mas, com os sinais de desequilíbrio com o qual a economia convive, isso não está assegurado. O excepcional desempenho comercial do país, mesmo diante de ameaças estratégicas vindas dos EUA, lhe dá recursos e tempos para tentar uma reorientação econômica que até hoje esteve mais presente na retórica dos dirigentes chineses do que nos fatos.

Fim da violência contra mulheres é luta coletiva

Por Correio Braziliense

A reação das mulheres de quase todo o país devido ao aumento das vítimas dos covardes impõe aos gestores públicos de todos os municípios e estados ações que, efetivamente, impeçam a brutalidade dos machistas que matam as suas iguais

Milhares de mulheres, de pelo menos 20 estados do país, foram às ruas no domingo, em protesto contra o abominável aumento de feminicídios e outras agressões. De janeiro até a primeira semana de dezembro deste ano, mais de 1.180 mulheres foram executadas pelo namorado, marido ou ex-companheiro, cerca de 34 mil foram estupradas. Entre os horrores causados pelo machismo chamou a atenção o feminicídio da cabo do Exército Maria de Lourdes Freire Matos, 25 anos, na sexta-feira,  pelo soldado Kelvin Barros, no 1º Regimento de Cavalaria de Guardas. Após matar a jovem com facadas, o soldado ateou fogo no corpo da vítima. 

No Distrito Federal, neste ano, 26 mulheres tiveram a vida interrompida pelo ex ou atual companheiro. A manifestação por mais segurança ocorreu na Feira a Torre de TV e atraiu mais de 3 mil participantes, entre elas a primeira-dama,  Rosângela Lula da Silva, a Janja. Para ela,  o feminicídio "é o mais cruel apagamento" da identidade das mulheres.  Na opinião da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, que também esteve na manifestação, "essa luta é de todos os dias, para nos mantermos vivas, uma luta por todas  nós, porque nós queremos viver".

Em Belo Horizonte, o protesto contra o avanço da violência de gênero ocorreu na Praça Raul Soares. As manifestantes cobraram políticas públicas para impedir a violência que, entre janeiro e setembro, matou 1.077 mulheres. A coordenadora do movimento Quem Ama Não Mata, Myriam Christus, cobrou políticas públicas no combate ao feminicídio e defendeu a eleição de mais mulheres aos espaços legislativos para garantir maior representação e ações em defesa do gênero. 

Dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública indicam um aumento de 26% no número de tentativas de feminicídio em 2024. De janeiro a setembro de 2025, mais de 2,7 mil mulheres foram vítimas desse crime cruel e covarde. Não foi neste fim de semana a primeira vez que as mulheres clamam por segurança e, provavelmente, não será a última. Os estudos anuais do  Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostraram, a cada edição, aumento do número de vítimas de feminicídio, de tentativa de feminicídio, violência psicológica, stalking e ameaças. 

A cada 10 mulheres mortas, oito foram executadas pelo atual ou ex-companheiro no ano passado.  A maioria das vítimas (70,5%) tinham entre 18 e 44 anos, e 63,8% eram negras. Os pedidos de socorro à Polícia Militar, Disque 190, chegaram a 1,06 milhão, ou seja, duas chamadas por minuto. Ainda assim. 1.492 mulheres sucumbiram pelas agressões dos machistas, em 2024 — um aumento de 0,7% em comparação a 2023.

Em outubro deste ano, a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal reconheceu que o Pacto Nacional de Prevenção aos Feminicídios, lançado em 2024, os esforços do Executivo e das leis aprovadas pelo Congresso não alcançaram  os resultados esperados. Os parlamentares atribuíram a frustração ao machismo dominante entre os homens, à baixa capacitação dos agentes públicos e à falta de integração entre os órgãos governamentais. Há, portanto, indicadores suficientes para corrigir as falhas que impedem a proteção adequada às mulheres ameaçadas de morte pelos companheiros.

A reação das mulheres de quase todo o país devido ao aumento das vítimas dos covardes impõe aos gestores públicos de todos os municípios e estados ações que, efetivamente, impeçam a brutalidade dos machistas que matam as suas iguais. É preciso capacitar os agentes de segurança pública para uma atuação que evite as tragédias cotidianas que abreviam a vida das mulheres e de qualquer orientação sexual. Todos, independentemente de gênero, raça ou cor, têm direitos e para usufruí-los não devem estar subordinados aos caprichos letais dos incivilizados.

Código de conduta é prioritário para tribunais superiores

Por O Globo

Viagem de Toffoli com advogado do caso Master deixa clara necessidade de regras, como defende Fachin

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, tem apresentado a ministros da Corte a intenção de criar um código de conduta para integrantes do STF e de tribunais superiores, a exemplo de outros países. Embora a questão esteja ainda em debate, seria uma decisão sensata para proteger a ética do mais relevante serviço público — a Justiça —, além da imagem dos tribunais e de seus integrantes.

A proposta de Fachin é inspirada no Código de Conduta do Tribunal Constitucional da Alemanha, adotado em 2017 num ambiente de pressão política por transparência. Pelo código alemão, há regras para aceitação de presentes ou benefícios de ordem pessoal e para dirimir conflitos de interesse. Juízes podem aceitar remuneração por palestras, participação em eventos e publicações, mas desde que isso não comprometa a reputação do tribunal nem gere dúvida em relação a independência, imparcialidade e integridade. Presentes ou benefícios podem ser recebidos dentro de limites financeiros e em contextos sociais, mas apenas se não puserem em questão o comportamento dos magistrados.

No Brasil, ainda que não constitua ilegalidade do ponto de vista jurídico, a participação de ministros em palestras e eventos patrocinados tem sido questionada com frequência. No ano passado, os ministros do STF Dias ToffoliAlexandre de Moraes e Gilmar Mendes participaram em Londres de evento patrocinado pelo Banco Master, depois alvo da operação que deteve o banqueiro Daniel Vorcaro. Nos últimos dias, veio à tona a viagem de Toffoli a Lima, no Peru, para assistir à final da Libertadores no avião do empresário Luiz Oswaldo Pastore, como revelou o colunista do GLOBO Lauro Jardim. No mesmo voo, estava Augusto Arruda Botelho, advogado de Luiz Antônio Bull, diretor do Master também preso. Dias depois, Toffoli, relator do caso Master, pôs em sigilo o processo. Mesmo que tudo possa ser coincidência— Toffoli só foi sorteado relator horas antes da viagem a Lima—, é inevitável o dano à imagem do Supremo. Não faltam exemplos de viagens custeadas por empresários, por vezes, com demandas na Corte. Daí a pertinência da preocupação de Fachin.

Não só no Brasil a conduta de magistrados desperta questionamentos. Nos Estados Unidos, a agência ProPublica revelou viagens luxuosas, presentes e benefícios recebidos por magistrados da Suprema Corte, sem qualquer transparência, de empresários com interesses no tribunal. No escândalo de maior repercussão, o empresário Harlan Crow comprou imóveis do juiz Clarence Thomas e familiares, além de bancar estudos de um filho dele numa escola privada. Depois da reportagem, vencedora do prêmio Pulitzer, o tribunal decidiu criar um código de conduta para os juízes.

A relevância conquistada e o poder concentrado pelos ministros do Supremo nos últimos anos tornam prioritária a criação de um código de conduta que balize a atuação de juízes fora dos tribunais. É desejável que a ideia de Fachin, por enquanto restrita aos círculos internos, vá adiante. De ministros que tomam decisões de tamanha importância para o país não se esperam apenas ética, discrição e atitudes que não deem margem a questionamento, mas eles têm de ser assim percebidos. Sobre a mais alta Corte do país — aquela que tem o proverbial direito de “errar por último” —, não podem pairar dúvidas.

TSE precisa prestar atenção a robôs de IA que convencem eleitor a mudar voto

Por O Globo

Ferramentas se mostram eficazes para persuadir usuários a trocar de candidato, concluem estudos

A discussão sobre o impacto da inteligência artificial (IA) nas eleições tem destacado — acertadamente — os riscos trazidos por propaganda com imagens, áudios e vídeos fraudulentos, conhecidos como deepfakes. Um aspecto menos discutido, mas cujos danos também podem ser enormes, é a interferência de robôs como ChatGPT, Gemini e demais chatbots. Dois estudos recentes publicados nas maiores revistas científicas do mundo — a britânica Nature e a americana Science — dão uma medida do desafio que eles representam para autoridades eleitorais. Dadas as inclinações políticas das grandes plataformas digitais, e a resistência delas a assumir responsabilidades como produtoras de conteúdo, é essencial que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) esteja atento aos riscos dos chatbots.

Ambos os estudos concluíram que as ferramentas de IA são eficazes para mudar a opinião do eleitor. No experimento “A persuasão de eleitores com o uso de diálogos entre humanos e IA”, publicado na Nature, os pesquisadores instruíram um chatbot a mudar a opinião de usuários sobre candidatos presidenciais. Escolhidos de forma aleatória, os participantes foram questionados sobre sua posição inicial, começaram a interagir com a máquina usando mensagens escritas e, ao fim, voltaram a ser questionados sobre sua intenção de voto. O experimento foi realizado na eleição americana de 2024, na canadense de abril e na polonesa de junho.

Nos Estados Unidos,o robô pró-Kamala Harris mudou em 3,9 pontos percentuais o voto dos simpatizantes de Donald Trump. Na mão contrária, em 1,5 ponto. No Canadá e na Polônia, a variação foi maior, de até dez pontos. Os chatbots foram programados para usar táticas de persuasão comuns, com boa educação e apresentação de evidências. Quando os pesquisadores proibiram o uso de dados apresentados como fatos, a eficácia caiu. Os pesquisadores conferiram a veracidade das informações e verificaram que, de modo geral, eram corretas. Mas os robôs programados para defender candidatos de direita fizeram mais afirmações imprecisas que os de esquerda.

O segundo estudo, “As alavancas da persuasão política com IA que conversa”, publicado na Science, mediu a mudança de opinião de cerca de 77 mil britânicos sobre 707 temas. Também examinou a veracidade de mais de 466 mil afirmações geradas por IA. Os pesquisadores descobriram que a estratégia mais eficiente para aumentar a persuasão é instruir os chatbots a usar a maior quantidade possível de informação na argumentação. Os modelos mais bem-sucedidos mudaram a opinião dos participantes em 25 pontos percentuais. Quanto mais persuasivo o modelo, menos precisas eram as informações fornecidas. A suspeita é que, pressionado, o chatbot não tem mais de onde tirar informações e começa a inventar.

A IA tem suscitado previsões apocalípticas ou otimismo ingênuo. Seus efeitos serão os que a sociedade decidir. Daí a necessidade de identificar problemas e enfrentar os riscos. No caso das autoridades eleitorais, os estudos mostram que há muito trabalho a fazer.

Todos mobilizados contra o feminicídio

Por O Povo (CE)

É importante que a sociedade brasileira encontre formas de organizar uma ação no sentido de conter o avanço do quadro de violência contra as mulheres que marca o dia-a-dia brasileiro da atualidade. No último domingo, milhares de pessoas ocupavam ruas de várias cidades brasileiras, em protestos ordeiros e necessários de alerta sobre o cenário, e, de verdade, acontecia que novos episódios de feminicídio estavam sendo registrados país afora, demonstrando a urgência de encontrar uma solução para um quadro que é dramático. Tanto quanto inaceitável.

Vivemos, de verdade, um quadro de epidemia no Brasil. São situações quase diárias de agressões motivadas somente pela condição de gênero da vítima, resultando em estatísticas macabras que nos envergonham e deveriam preocupar. Sem contar que o cenário estimula um quadro de subnotificação no qual muitos casos sequer chegam ao conhecimento público, porque o medo paralisa as vítimas.

O machismo e a misoginia não podem continuar a nos desafiar dentro do esforço de construção de um ambiente sadio de convivência entre as pessoas, imune às diferenças de gênero, raça ou cor que marcam uma sociedade ricamente diversa como a que temos em nosso País.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez um discurso duro na semana passada ao abordar a situação, inclusive anunciando que em caso de nova candidatura não quer o voto de quem agride mulher. Pelo peso institucional do cargo que ocupa um gesto elogiável, certamente, mas ainda longe de expressar tudo aquilo que tem condições de fazer, a partir de onde está, para termos o obstáculo observado na sua dimensão exata.

O movimento Levante Mulheres, que chamou à mobilização que se espalhou pelas cidades brasileiros no domingo passado, registrou 1.180 casos acumulados de feminicídio no ano de 2025. Uma calamidade social que nos deveria envolver mais, como cidadãos e cidadãs, e que exigiria dos governos e parlamentos atenção e atitude para agirem quanto à parte que compete ao poder público no esforço permanente de reverter o quadro atual indesejável.

Claro que a primeira mudança deve vir de nós, fazendo a parte que nos cabe para construir um ambiente social que desestimule qualquer ação violenta como meio de se fazer valer pela força. O machismo não é um contratempo a ser combatido apenas com lei ou a força do Estado, trata-se, em primeiro lugar, de um comportamento que devemos desestimular sempre que identificado na convivência diária.

Foram muitos eventos violentos nos últimos dias que, na origem, são explicados pela questão de gênero. Não é mais suportável que sigamos produzindo números vergonhosos e que não condizem com a ideia de mundo civilizado, no qual pessoas se respeitam independente do gênero de cada um.

Nenhum comentário: