DEU NO VALOR ECONÔMICO
Não se perde por esperar porque, lá longe, já sopra um vento sudoeste, e isso, como sempre se soube, é sinal de chuva grossa. A bonança dessa sucessão é de mau agouro, pois mantém a atenção descuidada do que vem por aí, uma vez que ela não corresponde a um estado de coisas realmente existente, e sim à crença que ultimamente se alastrou entre nós, de que atingimos, nestes 16 anos de PSDB e de PT, o ponto ótimo, e final, da história do Brasil.
Confiante nela, a sociedade se entrega ao curso dos acontecimentos, embalada pelo canto de sereia dos êxitos econômicos, pela pujança do seu agronegócio, pela presença afirmativa no cenário internacional e pela estabilidade política e financeira, certa de que, agora, navega no rumo certo. Nesse diapasão, a palavra de ordem não poderia ser outra senão a de continuar, e, uma vez que a política é sempre o terreno da controvérsia e da exploração de outros mundos possíveis, não haveria lugar para ela em meio a tantas certezas, devendo ceder lugar à administração, arte da qual se espera aperfeiçoar o que aí está.
Contudo, é do próprio processo dessa sucessão presidencial que vem os avisos de desvios de rota, mesmo que se possa desconfiar de que eles sejam meramente parte de uma estratégia eleitoral de setores, que no interior do governo, patrocinam a candidatura situacionista. Pois é deles que têm partido a sinalização para uma forma de capitalismo de Estado orientada para objetivos grão-burgueses de grandeza nacional, associando o empresariado, por meio do financiamento estatal, aos seus propósitos. Trata-se da situação clássica de "exasperar, por meio de recursos políticos, a conquista de fins econômicos", tendente, também classicamente, a realizar uma fusão entre essas duas dimensões.
No caso desse empreendimento vingar, decerto que se introduzem importantes elementos de mutação na experiência de social-democracia no país, em uma deriva potencialmente autoritária, na medida em que a sociedade passará a ser objeto passivo de uma tecnocracia de estilo messiânico que traz para si a representação do projeto de nação. Tal processo pode ser ainda mais insidioso se persistem as tendências atuais de estatalização dos sindicatos - do que a recente legislação sobre as centrais sindicais é um sintoma -, dos movimentos sociais e da política assistencialista, cuja inspiração, não custa nada lembrar, é de cepa neoliberal.
Contudo, esse eixo, melhor identificado em grandes personagens da cena atual, como Samuel Pinheiro Guimarães, Nelson Jobim e Mangabeira Unger, não reina solitário. Em outra ponta, o eixo Antonio Palocci-Henrique Meirelles representa tendência oposta, contínua, em seus fundamentos, ao ciclo de dezesseis anos de governos do PSDB e do PT, mais pragmática e refratária a uma estreita vinculação entre política e economia.
A competição entre esses eixos ainda não é aberta, ambos empenhados na candidatura situacionista, que, na eventualidade de uma vitória, deverá fazer sua opção. Um deles sairá perdedor, restando sempre a possibilidade de um compromisso entre eles, tal como vem ocorrendo nesses últimos anos do governo Lula. Esse compromisso se apresenta, desde já, como difícil, não só porque o pêndulo, nos últimos tempos, se deslocou em sentido favorável a uma forma qualquer de capitalismo de Estado, pela biografia da candidata Dilma - em toda sua carreira, uma personagem da administração pública - e, sobretudo, pela falta de Lula, que fez da composição de contrários a sua marca como homem de Estado e, nessa arte, ao que parece, não formou discípulos à altura.
A disputa entre eles, em um eventual governo Dilma, não deve ficar retida nos quadros palacianos, cada qual procurando escoras em organizações e movimentos da sociedade civil, abrindo um debate público em torno de questões programáticas, que, pela sua própria natureza, estimulam a mobilização social.
Ainda na hipótese de uma vitória de Dilma, outro componente novo será a da posição do PMDB, que contará com a vice-presidência, governadores de Estados, ministérios e uma expressiva bancada congressual, que, diante de uma divisão por motivos programáticos no interior do PT e do governo, pode vir a se comportar com orientação própria, ora vetando políticas, ora impondo outras, e já visando a sucessão de 2014, no interior da coalizão governamental. O dissenso em cima deve afrouxar a capacidade de hoje do Estado de controlar os movimentos sociais, que assim poderão interromper o quietismo em que estão imersos.
Em outra perspectiva, se vencer o candidato Serra, é de se aguardar uma forte oposição por parte de movimentos sociais, especialmente daqueles que foram trazidos pelo atual governo para o interior e proximidades do aparato estatal, e que devem perder essas posições. A sombra de Lula, no ostracismo de São Bernardo, pode vir a assombrar o seu governo, como a de Getúlio, em São Borja, assombrou o de Dutra. O capitalismo de Estado no seu governo não será certamente uma alternativa de política, mas sua linhagem de formação intelectual de estilo keynesiano, mas promete, porém, uma forte presença estatal na condução da economia, até preservando quadros da atual administração.
Assim, por fas ou por nefas, é a política que deve voltar, encerrando esse longo período melancólico em que só se falou da administração das coisas. Mais uma vez, constata-se o papel das sucessões presidenciais na liberação de energias novas, o que ocorreu mesmo no regime militar, que, aliás, acabou em uma delas.
Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador do Iuperj e ex-presidente da Anpocs. Escreve às segundas-feiras
Não se perde por esperar porque, lá longe, já sopra um vento sudoeste, e isso, como sempre se soube, é sinal de chuva grossa. A bonança dessa sucessão é de mau agouro, pois mantém a atenção descuidada do que vem por aí, uma vez que ela não corresponde a um estado de coisas realmente existente, e sim à crença que ultimamente se alastrou entre nós, de que atingimos, nestes 16 anos de PSDB e de PT, o ponto ótimo, e final, da história do Brasil.
Confiante nela, a sociedade se entrega ao curso dos acontecimentos, embalada pelo canto de sereia dos êxitos econômicos, pela pujança do seu agronegócio, pela presença afirmativa no cenário internacional e pela estabilidade política e financeira, certa de que, agora, navega no rumo certo. Nesse diapasão, a palavra de ordem não poderia ser outra senão a de continuar, e, uma vez que a política é sempre o terreno da controvérsia e da exploração de outros mundos possíveis, não haveria lugar para ela em meio a tantas certezas, devendo ceder lugar à administração, arte da qual se espera aperfeiçoar o que aí está.
Contudo, é do próprio processo dessa sucessão presidencial que vem os avisos de desvios de rota, mesmo que se possa desconfiar de que eles sejam meramente parte de uma estratégia eleitoral de setores, que no interior do governo, patrocinam a candidatura situacionista. Pois é deles que têm partido a sinalização para uma forma de capitalismo de Estado orientada para objetivos grão-burgueses de grandeza nacional, associando o empresariado, por meio do financiamento estatal, aos seus propósitos. Trata-se da situação clássica de "exasperar, por meio de recursos políticos, a conquista de fins econômicos", tendente, também classicamente, a realizar uma fusão entre essas duas dimensões.
No caso desse empreendimento vingar, decerto que se introduzem importantes elementos de mutação na experiência de social-democracia no país, em uma deriva potencialmente autoritária, na medida em que a sociedade passará a ser objeto passivo de uma tecnocracia de estilo messiânico que traz para si a representação do projeto de nação. Tal processo pode ser ainda mais insidioso se persistem as tendências atuais de estatalização dos sindicatos - do que a recente legislação sobre as centrais sindicais é um sintoma -, dos movimentos sociais e da política assistencialista, cuja inspiração, não custa nada lembrar, é de cepa neoliberal.
Contudo, esse eixo, melhor identificado em grandes personagens da cena atual, como Samuel Pinheiro Guimarães, Nelson Jobim e Mangabeira Unger, não reina solitário. Em outra ponta, o eixo Antonio Palocci-Henrique Meirelles representa tendência oposta, contínua, em seus fundamentos, ao ciclo de dezesseis anos de governos do PSDB e do PT, mais pragmática e refratária a uma estreita vinculação entre política e economia.
A competição entre esses eixos ainda não é aberta, ambos empenhados na candidatura situacionista, que, na eventualidade de uma vitória, deverá fazer sua opção. Um deles sairá perdedor, restando sempre a possibilidade de um compromisso entre eles, tal como vem ocorrendo nesses últimos anos do governo Lula. Esse compromisso se apresenta, desde já, como difícil, não só porque o pêndulo, nos últimos tempos, se deslocou em sentido favorável a uma forma qualquer de capitalismo de Estado, pela biografia da candidata Dilma - em toda sua carreira, uma personagem da administração pública - e, sobretudo, pela falta de Lula, que fez da composição de contrários a sua marca como homem de Estado e, nessa arte, ao que parece, não formou discípulos à altura.
A disputa entre eles, em um eventual governo Dilma, não deve ficar retida nos quadros palacianos, cada qual procurando escoras em organizações e movimentos da sociedade civil, abrindo um debate público em torno de questões programáticas, que, pela sua própria natureza, estimulam a mobilização social.
Ainda na hipótese de uma vitória de Dilma, outro componente novo será a da posição do PMDB, que contará com a vice-presidência, governadores de Estados, ministérios e uma expressiva bancada congressual, que, diante de uma divisão por motivos programáticos no interior do PT e do governo, pode vir a se comportar com orientação própria, ora vetando políticas, ora impondo outras, e já visando a sucessão de 2014, no interior da coalizão governamental. O dissenso em cima deve afrouxar a capacidade de hoje do Estado de controlar os movimentos sociais, que assim poderão interromper o quietismo em que estão imersos.
Em outra perspectiva, se vencer o candidato Serra, é de se aguardar uma forte oposição por parte de movimentos sociais, especialmente daqueles que foram trazidos pelo atual governo para o interior e proximidades do aparato estatal, e que devem perder essas posições. A sombra de Lula, no ostracismo de São Bernardo, pode vir a assombrar o seu governo, como a de Getúlio, em São Borja, assombrou o de Dutra. O capitalismo de Estado no seu governo não será certamente uma alternativa de política, mas sua linhagem de formação intelectual de estilo keynesiano, mas promete, porém, uma forte presença estatal na condução da economia, até preservando quadros da atual administração.
Assim, por fas ou por nefas, é a política que deve voltar, encerrando esse longo período melancólico em que só se falou da administração das coisas. Mais uma vez, constata-se o papel das sucessões presidenciais na liberação de energias novas, o que ocorreu mesmo no regime militar, que, aliás, acabou em uma delas.
Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador do Iuperj e ex-presidente da Anpocs. Escreve às segundas-feiras
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