Os seis meses do governo Dilma Rousseff já são quase suficientes para mostrar o estilo da presidente da República. Ou pelo menos o esboço de um comportamento que vai se formando por um processo de tentativas e erros.
Dilma demorou a defenestrar o ex-ministro da Casa Civil, Antonio Palocci. Tinha razões pessoais e políticas para não jogá-lo ao mar. Palocci era um companheiro das jornadas de campanha presidencial, homem de confiança de Lula e, como se isso ainda fosse necessário no estágio da estabilização da democracia brasileira, um nome que agradava aos grandes agentes do mercado.
Dilma foi reticente, cuidadosa mas, curiosamente, livrou-se de Palocci no momento em que ele já sonhava com a reabilitação, após o parecer favorável do procurador-geral da República, Roberto Gurgel.
A presidente precisava e não perdeu a oportunidade de dar exemplo. Descobriu sua melhor estratégia de sobrevivência e de dominação.
Escândalos contribuem para firmar seu estilo
Dilma tem um problema crônico de relação com a classe política - por não pertencer a ela. É essencialmente técnica e não tem paciência para os salamaleques e o intrincado jogo de ocupação de espaços de poder. Sua vocação é executar. Mas parece ter aprendido rapidamente que sua fragilidade - o desgosto pela barganha - pode se tornar uma vantagem no trato com os políticos.
Políticos gostam muito de barganhar. E nem sempre se dão bem com isso. Desfrutam dos benefícios advindos da habilidade de persuadir, pressionar, mas se tornam vulneráveis quando o comportamento ultrapassa os limites da ética e da lei.
Podem escapar da devida punição legal em virtude da falta ou da ineficácia dos mecanismos de controle da corrupção. Mas a própria escassez de espaços e recursos - ainda que o governo federal, por exemplo, tenha mais de 20 mil cargos em comissão para distribuir - contribui para uma espécie de mínima autodepuração.
A escassez faz com que até mesmo correligionários transformem-se em adversários. O chamado "fogo amigo", na esfera governamental, parece ser o equivalente da competição intrapartidária, na arena eleitoral, onde candidatos da mesma legenda travam uma disputa por votos, ainda que menos frequente do que se imagina, num mesmo reduto eleitoral.
A disputa interna geralmente é o melhor caminho para se descobrir a podridão. Não à toa, alguns dos maiores escândalos políticos brasileiros revelaram-se graças a brigas familiares como as de irmão contra irmão (Pedro x Fernando Collor) e ex-mulher contra marido (Nilceia x Celso Pitta). A novidade, e talvez um avanço, é que, ultimamente, os conflitos têm cada vez mais uma origem partidária. Quem sabe um dia cheguem mais à tona pelas instituições responsáveis.
O "fogo amigo" esteve entre as causas do estouro do caso Palocci. E agora também aparece no episódio que acaba de derrubar o ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento (PR).
Se na primeira demissão Dilma titubeou, mas exonerou Palocci quando ele ainda dava sinais de vida, desta vez a presidente foi rápida no gatilho.
Dilma já percebeu que deverá sempre agir de forma implacável quando alguém de seu governo for pego em irregularidades - e não como Lula, que tergiversava. É seu trunfo e a arma com que o discurso técnico pode se fortalecer diante de argumentos geralmente muito mais fortes e viscerais como os que representam interesses corporativos e partidários explícitos.
Em outros governos, tudo o que um presidente não quer é o estouro de casos de corrupção. Nenhuma crise é boa. Há sempre o risco de as denúncias respingarem no chefe de governo. Mas no caso de Dilma Rousseff eles têm sido úteis, ainda mais quando ela olha ao seu redor e não vê no horizonte uma oposição que lhe ameace.
A ameaça e o indesejável são internos ou mesmo intestinos. A saída de Palocci foi uma ótima chance para Dilma dar uma cara mais sua ao governo e minimizar a sensação de déjà vu de Lula. Aproveitou as trocas na Casa Civil e nas Relações Institucionais e se cercou de ministras mulheres, agora não mais em Pastas a maioria periféricas, mas centrais.
A demissão de Alfredo Nascimento - uma herança pesada de Lula - dá novamente à presidente uma oportunidade de indicar para um ministério tão importante um nome de seu agrado (ou que menos lhe desagrade). Somente com fatos fortes, como escândalos de corrupção, Dilma poderá desfazer acordos firmados por seu antecessor. Foi pelas mãos de Alfredo Nascimento que o PT conseguiu entrar com mais vigor no Amazonas, Estado onde o partido obteve alguns dos maiores percentuais de votação nas últimas eleições presidenciais. A parceria era tão firme que Lula indicou um grande amigo seu, João Pedro, como suplente de Nascimento. Sem um motivo de força maior, Dilma se sentia inibida de demitir o ministro e, com a volta de Nascimento ao Senado, desalojar um compadre de Lula do Congresso.
Dilma pode não torcer para que venham mais escândalos. Afinal, em seis meses, já é a quarta troca que faz em seu ministério (Casa Civil, Relações Institucionais, Pesca e Transportes). A presidente, contudo, tem conseguido fazer do limão a limonada; da agenda negativa, uma aplicação de métodos e lições para melhorar sua governabilidade.
Por mais que se diga que o Brasil é um país onde reina um hiperpresidencialismo, a administração Dilma Rousseff tem mostrado o contrário, num claro cenário de divisão de forças entre o Executivo e Legislativo - e a despeito da enorme base aliada na Câmara e no Senado.
As atribuições de poder são constitucionais, mas não estão dadas. Podem mudar, como o projeto do senador Aécio Neves (PSDB-MG) de limitar a possibilidade de edição de medidas provisórias pelo (a) presidente. O perfil de Dilma, distante do mundo político, também não ajuda, e talvez não seja por acaso que uma proposta desta esteja prosperando justamente em seu mandato.
Na política não há vácuo. Mas, por outro lado, há muita sujeira. E, num momento em que se duvida da capacidade de Dilma de prevalecer sua vontade (Código Florestal, corte de emendas parlamentares), a presidente aproveita os erros do governo a seu favor.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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