O diagnóstico da crise na Europa pode estar errado e a cura poderá acabar matando os pacientes
A sabedoria convencional ensina que a crise europeia, a caminho de se transformar em global, é culpa de governos gastadores, que se endividaram demais. Logo a cura só pode vir pela imposição de uma austeridade implacável, imposta pelos que o Nobel de Economia Paul Krugman chama, adequadamente, de "fanáticos da dor".
Vamos imaginar, só para variar, que o diagnóstico esteja errado. É uma tese defendida não por um lunático qualquer, mas por ninguém menos do que um agente de mercado, Richard Koo, economista-chefe do banco de investimento Nomura, em conversa com o jornal espanhol "El País".
Diz ele: "O diagnóstico errado na Europa é pensar que esta é uma crise fiscal. Falso: a crise começou no setor imobiliário norte-americano e se transformou em uma tormenta financeira global. E continua sendo uma crise bancária, que acabou contagiando a economia (o fechamento da torneira do crédito degenerou em desemprego e recessão) e as contas públicas (castigadas pelas ajudas à banca e pelos custos do Estado de Bem-Estar em pleno desabamento econômico)".
Mais: "Contagiou inclusive o edifício institucional europeu, incapaz de mostrar-se decidido em resgates que parecem desenhados mais para salvar os bancos do que para ajudar os países com problemas. As entidades financeiras, em especial as alemãs, estão carregadas de ativos tóxicos e de dívida pública, que caminham para alcançar esse status".
Palpite isolado de um economista, como zilhões de outros que saem todos os dias nos jornais?
Não, John Feffer, codiretor da publicação "Política Externa em Foco", do Instituto para Estudos Políticos, foi ontem na mesma direção em seu blog:
"A crise da dívida, de acordo com análises convencionais, resulta de governos gastadores que mantiveram altos níveis de serviços sociais sem a renda necessária para sustentá-los. Mas a presente crise econômica da Europa é, de muitas maneiras, um desdobramento da crise financeira de 2008, quando bancos europeus investiram, pouco sabiamente, em todos os instrumentos de fantasia que as instituições norte-americanas criaram para mascatear hipotecas arriscadas".
Quando veio a crise e, com ela, o socorro oficial à banca, esta mudou a direção e passou a investir em títulos da dívida dos Estados. Completa Feffer: "Como viciados que veem fechado um mercado de droga, os bancos simplesmente voltaram-se para outro".
Se essas análises estão corretas -e nada indica que não estejam-, a cura, pela austeridade, do vício dos governos de gastar demais nem de longe resolve o problema.
A banca, parte essencial de qualquer mecanismo econômico, para o bem e para o mal, continua intoxicada e "mata" um governo depois do outro, no desespero de mais uma cafungada nos juros obscenos cobrados para rolar a dívida de países europeus.
Corolário político-social para Feffer: "Os ideais sociais que antes animavam o projeto europeu estão se dissipando depressa. O continente se transformou simplesmente em um bom lugar para fazer negócios, particularmente nos serviços financeiros".
FONTE: FOLHA DE S. PAULO
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