Prestes a sancionar o projeto que cria o fundo de aposentadoria complementar dos servidores federais, presidente da República contraria os interesses das centrais sindicais, simpáticas ao governo petista desde o primeiro mandato de Lula, em 2003
Sérgio Montenegro Filho
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) liderou greves históricas, em algumas delas chegou a ser perseguido e preso, e deve ao movimento sindical a sua carreira política. Bem diferente de Dilma Rousseff (PT), gestora de perfil técnico e pouco jogo de cintura. Essas incongruências têm ficado evidentes no tratamento que o atual governo destina a alguns setores da sociedade. A aprovação no Congresso Nacional do projeto que cria um fundo de aposentadoria complementar para os servidores da União, defendida pela presidente, deixou novamente clara a distinção. A proposta, que começou a ganhar corpo no final do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), dormiu nas gavetas do Planalto durante os oito anos do governo Lula, que cedeu às pressões das centrais sindicais e não a encaminhou ao Legislativo.
Dilma, porém, não hesitou. Sob o argumento – já velho conhecido dos sindicalistas – de sanar o rombo financeiro da previdência pública, ela atuou junto aos deputados e senadores para aprovar o projeto, que aguarda sobre sua mesa para ser sancionado. Quando virar lei, vai limitar a aposentadoria do funcionalismo federal – hoje paga no valor integral do salário – ao teto de R$ 3,9 mil. Embora a nova regra valha apenas para servidores admitidos após a promulgação da lei, a novidade continua gerando polêmica e deve ser um dos principais motes de protestos nos atos públicos pelo País afora neste 1º de Maio, Dia do Trabalhador.
Presidente estadual da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e dirigente nacional da entidade, o sindicalista Sérgio Goiana diz que o arquivamento do projeto é apenas um dos itens da pauta a ser negociada com o governo, que inclui outras propostas polêmicas, como o congelamento por dez anos dos salários dos servidores e a demissão de funcionários públicos por baixo desempenho. “Esses projetos têm argumentações muito frágeis. Se as negociações não forem bem-sucedidas, faremos uma paralisação em maio, por tempo indeterminado”, adverte. Goiana reconhece a contribuição da CUT para a eleição dos petistas, mas não descarta a possibilidade de rompimento, caso o tratamento não melhore.
“Com Lula, nós divergíamos, mas ele nos ouvia. Dilma vê apenas o lado técnico, em detrimento das questões políticas das propostas. Ela já peitou o Congresso e o Judiciário, imagine o que pode fazer com as centrais sindicais, mas vamos para o enfrentamento, e isso pode levar a uma ruptura”, ameaça Goiana, que faz outra advertência, sobre o “efeito-cascata” do projeto. “O governador Eduardo Campos (PSB) já tem pronta uma proposta semelhante para enviar à Assembleia Legislativa, assim como outros governadores. Mas imagine quando os pequenos municípios passarem a criar seus fundos complementares. Quem vai administrá-los e cuidar para que não haja desvios de recursos?”, questiona.
Para o deputado federal Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), presidente nacional da central Força Sindical – principal concorrente da CUT – ainda há esperança de que o projeto seja arquivado, dependendo da pressão que os servidores e as centrais possam exercer, inclusive nas manifestações do 1º de Maio. Mesmo aliado do governo na Câmara, ele votou contra o projeto, mas tem consciência do rolo-compressor que enfrentou. “Quem tem 84% de popularidade pode se dar ao luxo de perder uns pontinhos”, ironiza, referindo-se à avaliação positiva alcançada por Dilma nas pesquisas.
Coordenador nacional da Conlutas, central sindical de ultra-esquerda, o ex-presidenciável do PSTU José Maria de Almeida faz um alerta ainda mais duro sobre a iniciativa do governo. Segundo ele, a criação do novo fundo, além de eliminar um direito dos servidores, representa o início de um processo de privatização da previdência. “Os fundos serão administrados por bancos privados, que ficarão com a rentabilidade, e se houver prejuízos, repassarão aos servidores”, afirma.
Ex-líder do PT no Senado, o pernambucano Humberto Costa minimiza as preocupações dos sindicalistas, e assegura que a nova lei não trará desgaste algum à relação do governo com o movimento sindical. “É um projeto bom para o País, que vai resolver um antigo problema financeiro na previdência”, defende. O senador petista nega que tenha faltado diálogo com a sociedade, afirmando que o projeto foi objeto de amplo debate na Câmara dos Deputados, inclusive com audiências públicas. “Estamos perto do 1º de Maio e alguns sindicalistas ficam procurando motivo para protestar, mas está tudo bem resolvido”, conclui.
FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)
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