domingo, 29 de abril de 2012

Delta é acusada de contratar fantasmas e abandonar obras

Empresa também é suspeita de apresentar documentos falsos em licitação

Contratação de funcionários fantasmas, obras de má qualidade ou abandonadas são algumas das acusações enfrentadas país afora pela Delta, construtora do centro do escândalo que levou à criação da CPI sobre atividades de Carlinhos Cachoeira. No Rio, a empreiteira abandonou a construção do Engenhão, em 2007, por falta de condições de entregar a sua parte da obra no prazo. O Ministério Público investiga ainda a contratação de 67 funcionários fantasmas para trabalhar na coleta do lixo em Duque de Caxias. Em São Paulo, o alvo dos promotores é um contrato de R$ 1,1 bilhão para varrição de lixo, assinado entre a prefeitura da capital e o consórcio do qual a Delta faz parte. Há suspeita de apresentação de documentos falsos na licitação. Em Recife, moradores de uma comunidade abandonaram suas casas às pressas porque uma caixa d"água, construída pela empresa, ameaça desabar.

Delta tem obras e serviços em xeque

Empreiteira alvo da CPI do Cachoeira tinha contratos questionados por órgãos de controle

Cássio Bruno, Thiago Herdy e Maiá Menezes

Obras com problemas de infraestrutura, abandono de serviços, suspeitas de irregularidades em licitações, uso repetido de termos aditivos e até a contratação de funcionários fantasmas. Uma análise de contratos da Delta Construções com prefeituras de grandes cidades do país mostra um retrato do tipo de trabalho que a empreiteira vem concedendo ao poder público, hoje o único cliente da construtora. No Rio, por exemplo, a Delta está sendo investigada pelo Ministério Público.

Já o Tribunal de Contas do Município (TCM) afirma que fará um pentefino em todos os contratos executados pela empresa número 1 do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e alvo da CPI do Cachoeira.

O Ministério Público do Rio apura as dispensas de licitação do lixo para a contratação da Delta pela prefeitura de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, com quem a empreiteira manteve contratos sem licitação no valor de R$ 84 milhões na gestão do ex-prefeito Washington Reis (PMDB), atual deputado federal. Os promotores querem saber ainda as circunstâncias que teriam levado a Delta a contratar 67 funcionários fantasmas para trabalharem com o recolhimento de resíduos na cidade.

No ano passado, a Delta abandonou a coleta de lixo em Duque de Caxias e foi contratada, sem licitação, pela prefeita de Nova Iguaçu, Sheila Gama (PDT), por R$ 21,4 milhões para prestar serviço durante 180 dias.

Segundo Washington Reis, as concorrências foram feitas de acordo com a Lei 8.666 e aprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio.

Há outra investigação em Duque de Caxias sobre suposta fraude na construção do Hospital Municipal Moacyr Rodrigues do Carmo, executada pela Delta na administração de Washington Reis. Obras realizadas pela empreiteira em parceria com as prefeituras de São Gonçalo, Porto Real e Niterói são alvos também de inquéritos do Ministério Público.

Na cidade do Rio, o MP investiga contratos emergenciais de R$ 36,5 milhões feitos com a Delta pelo prefeito Eduardo Paes (PMDB), entre 2009 e 2011. A assessoria de Paes informa que o valor corresponde a apenas 10% do total investido nas obras de reconstrução do município após as chuvas de abril de 2010.

Desde 2008, e com previsão de conclusão em novembro de 2013, a prefeitura tem contrato de R$ 163,5 milhões para a locação de veículos e equipamentos de limpeza urbana. Em 2007, a Delta desistiu de prosseguir com o contrato do Engenhão — como fez há dez dias com o Maracanã e, na semana passada, com a Transcarioca—, sob o argumento de que não teria condições de concluir a montagem da cobertura metálica a tempo para os Jogos Pan- Americanos. Uma inspeção do TCM, concluída em 2011, apresentou sobrepreço de mais de 400% em relação ao projeto básico do Engenhão.

Em SP, suspeita de documentos falsos

l A má qualidade dos serviços prestados pela Delta foi o argumento que a prefeitura de São João de Meriti usou, no começo do ano, para ameaçar a empreiteira de multa de 20% do valor do contrato (de R$ 66 milhões), além da suspensão dos pagamentos. A construtora optou por reduzir a sua participação no consórcio que executa a obra de infraestrutura do PAC no município a 1%. Era de 50%.

Um contrato de R$ 1,1 bilhão assinado em novembro do ano passado entre a prefeitura de São Paulo e o consórcio liderado pela Delta para varrição de lixo se tornou alvo de investigação do Ministério Público. Os promotores apuraram as suspeitas de apresentação de documentos falsos pelo consórcio e abertura de envelopes apesar da existência de uma liminar judicial com impedimentos ao processo.

Quem assinou o contrato em nome do consórcio foi Heraldo Puccini Neto, diretor da Delta para a Região Sudeste, que teve a prisão preventiva decretada pela Justiça em Brasília na última semana a pedido da Polícia Civil, por suspeita de envolvimento em esquema de fraude em licitações na área de transporte público do Distrito Federal. Até a noite de sexta-feira ele ainda estava foragido.

O contrato do lixo é o maior assinado pela Delta na cidade desde 2005, ano em que a empresa recebeu R$ 11 milhões por serviços prestados à cidade.

A chegada de Gilberto Kassab (PSD) ao poder municipal, em 2006, representou um salto para os negócios da Delta com a cidade. Em 2008, a prefeitura pagou R$ 38 milhões à empresa, valor que caiu no ano seguinte para R$ 35 milhões e voltou a subir em 2010 e 2011, quando São Paulo pagou R$ 37,5 milhões e R$ 69,5 milhões, respectivamente, à empresa.

Os dados são do Sistema de Orçamento e Finanças da prefeitura.

— No contrato do lixo já existem inclusive medidas judiciais por conta de supostas irregularidades praticadas pela Delta e pelo presidente da comissão de licitação — disse o promotor Silvio Antonio Marques, da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público do MP de São Paulo.

Na sexta-feira, o promotor encaminhou à Polícia Federal ofício em que solicita documentos relacionados a irregularidades eventualmente cometidas pela Delta ou por seus dirigentes na cidade de São Paulo, para verificar a relação com o contrato do lixo e o diretor foragido.

O Ministério Público determinou a verificação de atestados apresentados pela Delta para participar da licitação com informações sobre a implantação de programas de educação ambiental em Poá e Itanhaém, onde já prestou serviços. Há indícios de que os dados apresentados não sejam verídicos. As decisões tomadas pelo presidente da comissão de licitação, como a abertura de envelopes com propostas apesar de decisão judicial que a impedia, também estão sendo questionadas.

Antes de vencer o contrato do lixo, a Delta já havia recebido R$ 155,7 milhões da prefeitura de São Paulo em contratos emergenciais de varrição, pagos entre 2007 e 2011. Nos últimos sete anos, a construtora recebeu outros R$ 63,5 milhões a título de obras de urbanização, pavimentação de ruas e construção de pontes.

Na noite de sexta-feira, a assessoria do prefeito Gilberto Kassab (PSD) informou que a prefeitura foi notificada sobre o processo do MP, mas não teria nenhuma declaração a fazer sobre os indícios de irregularidades.

Contratos da Delta em Campinas para varrição de lixo também foram julgados irregulares pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE). Os negócios se referem a serviço de recapeamento asfáltico, pelo qual a empresa recebeu R$ 5,6 milhões.

A assessoria da prefeitura informou que não há contratos em vigor com a Delta, e os que existiam foram assinados pelos antecessores.

Em nota, a Delta disse ter "certeza da sua idoneidade e da lisura e transparência de todos os certames que disputou e venceu".

FONTE: O GLOBO

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