A presidente Dilma Rousseff levou mais de um ano para reconfigurar, a seu gosto, a base de apoio político ao governo no Congresso. O PT não precisou de mais de 48 horas para devolver aos líderes tradicionais do PMDB o controle do partido: o ex-líder de Dilma no Senado, Romero Jucá (RR), é cogitado para presidente da CPI do Cachoeira. Ele avisou o líder Renan Calheiros (AL), também cotado para cargo, que não quer. Renan e Jucá devem ter bons motivos para não desejar um lugar de destaque na ribalta, mas estão outra vez, junto com José Sarney (AP), com a bola do jogo nas mãos.
O PMDB do Senado está rachado. O governo avalia que Renan, Sarney e Jucá perderam a maioria da bancada, o que é discutível. Numa demonstração de força, após o afastamento de Jucá da liderança do governo, Renan foi o principal articulador da criação de um bloco entre PR e PTB, sem que o governo, seu líder no senado e nem a ministra encarregada da articulação política tivessem conhecimento da armação.
Os pemedebistas desaconselharam a criação da CPI. Hoje calculam o valor da fatura a cobrar. Sabem que ganharam um trunfo inesperado, no momento em que a presidente exibe índice recorde de aprovação da opinião pública.
Dilma perde exclusividade da faxina moral
É recomendável a criação da CPI para investigar as relações de Carlos Cachoeira e da Delta Construções com integrantes do Legislativo, Executivo, Judiciário, Ministério Público e governos estaduais. O esquema, de acordo com o que até agora é conhecido da investigação da Polícia Federal, estabeleceu conexões em todas as esferas de poder. O risco é que cada partido só pensa na comissão como uma oportunidade de tirar vantagem.
Para ser bem sucedida, a investigação sobre as relações de Cachoeira com o poder público deve transcorrer de forma transparente e sem a formação de um rolo compressor governista para proteger os seus e esmagar a já desmilinguida oposição. O DEM tem o senador Demóstenes Torres (GO) na alça de mira do inquérito, o PSDB pode ter o governador de Goiás, Marconi Perillo, pois a investigação revela o esquema Cachoeira na antessala de seu gabinete. Todos devem responder por eventuais desvios de conduta. Ruim é o uso da força bruta para se proteger e liquidar adversários.
O governo, como se sabe, tem uma gigantesca maioria nominal no Congresso, mais que suficiente para conduzir a apuração na direção que desejar, não fosse o fato que a chamada base de apoio nem sempre fala a mesma linguagem ou defende os mesmos interesses. Pode ser truísmo, como costuma dizer um ministro de Estado, mas nunca é demais repetir que não há CPI que não acabe contra o governo. No mínimo oferece oportunidade para quem gosta de criar dificuldade para vender facilidade.
O chamado "fato determinado" da CPI dos Correios, em 2005, eram as denúncias de corrupção nas estatais, mais particularmente nos Correios. O foco foi deslocado pouco tempo depois de sua criação, quando o então deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) denunciou a existência de um esquema de compra de votos no Congresso, a que batizou de mensalão. Outro ministro é irônico: "A CPI dos Correios começou para investigar o Sedex 10 e acabou chegando a um pombal de pombos-correio".
A CPI do Judiciário foi instalada em março de 1999 para investigar irregularidades nos tribunais superiores, regionais e nos tribunais de Justiça. Desvendou o desvio de cerca de R$ 169 milhões destinados a obras do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo. Mas também jogou na vala comum dos suspeitos de corrupção o ex-secretário-geral de Fernando Henrique Cardoso o advogado Eduardo Jorge Caldas Pereira, depois que se descobriu uma centena de telefonemas trocados entre EJ e o juiz Nicolau dos Santos Neto - o advogado acabou inocentado das acusações pelo Judiciário.
A Delta Construtora, uma das empreiteiras mais bem aquinhoadas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), é conhecida antiga dos meios políticos brasilienses. Em 2006, seus executivos foram detectados rondando a convenção do PMDB que decidiria sobre a candidatura própria de Anthony Garotinho - uma sucessão de episódios típicos de apuração de desfile de escola de samba, entre os quais uma greve de fome do ex-governador do Rio.
A direção do PMDB boicotou o lançamento de candidatura própria, para a satisfação do então candidato do partido ao governo do Rio, Sérgio Cabral, adversário de Garotinho. Eleito, Cabral tornou-se também ele um amigo dos proprietários da Delta. Seja por meio de grandes obras ou coleta de lixo, a empresa de Fernando Cavendish cresceu e se estabeleceu em vários Estados do país, inclusive o Distrito Federal.
Aparentemente, PT e governo divergiram em relação à criação da CPI. Dilma, que lavou as mãos num primeiro momento, teria reclamado da maneira como o presidente do partido, Rui Falcão, tratou do assunto, como um perdigueiro atrás da revanche do mensalão, o suposto esquema de compra de votos no Congresso que os petistas dizem ter sido uma farsa. Lula, segundo fontes do PT, apoiou a proposta com entusiasmo. Assim como José Dirceu. Lula e Dilma sempre fizeram uma dança de passo marcado. Difícil acreditar que seja diferente agora. Mas, mesmo com todas as atuais facilidades de comunicações, Dilma estava fora do país, quando o PT desencadeou sua ofensiva. Pode ter sido um grande erro de cálculo.
No atual governo, a investida moralizadora dos costumes políticos era um patrimônio exclusivo da presidente Dilma. Essa pelo menos parece ser a percepção da opinião pública, o que contribui para seu alto índice de popularidade (77%). Agora a faxina será dividida com o Legislativo. Resta saber quem lava melhor.
O Ministério do Trabalho está sem titular há mais de quatro meses. No período, deu-se a desoneração da folha de pagamentos. Até agora, ninguém notou a diferença.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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