Tornou-se hábito dizer que PSDB e PT são as principais forças políticas de
São Paulo. Uma leitura voltada, porém, para a qualidade da democracia pode
relativizar esse entendimento. O eleitorado paulistano é imenso, corresponde a
6,2% do eleitorado nacional; 8.619.170 indivíduos aptos a votar. Contudo,
1.592.722 (18,5%) se abstiveram, 381.407 (4,4%) votaram em branco e 516.384
(6%) anularam; 2.490.513 eleitores esquivaram-se do mais elementar direito da
democracia. O cardápio talvez não ajudasse, mas o fato é que 28,9% do
eleitorado, apto, não escolheu ninguém.
O voto, não custa lembrar, é obrigatório. Seriam os mais novos e os mais
velhos, liberados da obrigação? Equivaleria admitir o fracasso, incapaz de
atrair e envolver. Não parece crível, pelo menos não totalmente. Ademais, nulos
e brancos somam quase 900 mil votos, mais de 10%, e evidenciam o protesto. A
Justiça Eleitoral considera apenas os votos "válidos", um contingente
de 6.128.657 eleitores; torna os números róseos: José Serra com 30,75% e
Fernando Haddad com 28,98% dos votos válidos. O potencial real do eleitorado é,
contudo, ignorado. Quase um terço foi pelo ralo.
Ao considerá-lo, no entanto, chega-se a números menos animadores: José Serra
terminou o primeiro turno com modestos 21,87% dos votos e Fernando Haddad, com
20,61%. Distantes do eleitorado que simplesmente não votou (28,98%), levaram
uma goleada: a maior força individual da cidade foi a abstenção, em todas suas
modalidades.
Serra e Haddad atingiram 42,5% do eleitorado total, somando 3.661.166 votos.
A distância poderia ser medida em léguas: as duas maiores forças, capazes de
monopolizar eleições na cidade, no Estado e no País, ficaram 15% aquém dos
57,5% dos demais eleitores - os que não votaram nem em um, nem em outro. Nesse
vazio, caberia um outro Russomanno -1.324.021 votos, 15,3% dos votos válidos.
Quase seis eleitores aptos, em cada dez, não votaram nem em Serra, nem em
Haddad. A imensa maioria não é tucana, nem petista. Dado o nível da discussão
entre os dois partidos, não deixa de ser um alento.
Verdade que esse fenômeno se repete em vários cantos do País. No Rio de
Janeiro, 55,5% do eleitorado apto não votou em Eduardo Paes, eleito no primeiro
turno. No Brasil, 25,8% do eleitorado - 35.674.026 de eleitores - absteve-se,
anulou ou "branqueou". É como se, com muita sobra, todo o eleitorado
do Estado de São Paulo (31.253.317 eleitores) não fosse às urnas. No mundo todo
a participação declina; problema dos eleitores ou dos partidos? Cabe repetir:
no caso brasileiro, o voto é obrigatório.
Não é exagero afirmar que, em São Paulo, os principais partidos são apenas
os mais representativos dentre os pouco representativos. A elite que se debate
em torno deles - nas redes sociais, por exemplo - se ilude; fala de si e para
si. A polarização é real? Os números não a comprovam. Parece, antes, se tratar
de disputas voltadas à ocupação de espaços no Estado, descoladas da maioria.
Felizmente, a maioria não se move com o combustível dessas disputas, embora
tucanos e petistas suponham ser o centro do universo.
O desafio para José Serra e Fernando Haddad seria, então, expandirem-se para
além das fronteiras de suas tribos, de seus becos ideológicos e restritas
bases; resgatar a política, entender e abraçar a cidade mais real e ancha. O
segundo turno, no entanto, não começa com esta perspectiva. Neste início de
campanha, conflitos se repetem e até se aguçam: mensalão do PT, renúncias de
Serra, religião, privatizações e, agora, a ênfase no "kit gay".
Propaganda, desqualificação e medo: personagens da Santa Inquisição rondando a
cidade, num medievalismo recorrente: pastores que não trazem a luz, mas as
sombras. São Paulo merecia mais. Enquanto não se discutirem os reais problemas
da cidade, sua disfuncionalidade crescente, cerca de um terço do eleitorado
preferirá ficar ausente. É desses vazios que se alimenta o sistema político.
É cientista político. Professor do INSPER
Fonte: O Estado de S. Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário