Com sua serena lucidez, a ministra Cármen Lúcia fez uma ressalva ao votar
pela condenação de José Genoino e José Dirceu: "Não estou julgando a
história de pessoas que em diversas ocasiões tiveram a vida reta. Estou
julgando os fatos apresentados nestes autos." O mesmo poderia ser dito em
relação ao PT, cuja trajetória até estourar o escândalo do mensalão foi também
reta. Não são os princípios programáticos do Partido dos Trabalhares que estão
sendo condenados pelo STF, "não é a história, mas os fatos", como
também afirmou o decano Celso de Mello. O que se condena é um acidente grave de
percurso, um mau passo, um enorme desvio de conduta. Em reunião com seu
Ministério no dia 12 de agosto de 2005, Lula, chocado com as revelações sobre
dirigentes do partido, desabafou: "Eu me sinto traído por práticas
inaceitáveis sobre as quais eu não tinha qualquer conhecimento. Não tenho
nenhuma vergonha de dizer que nós temos de pedir desculpas. O PT tem de pedir
desculpas. O governo, onde errou, precisa pedir desculpas."
Por que não pedir agora? Por que o Lula de 2012 reage ao julgamento mandando
seus companheiros receberem o castigo de "cabeça erguida", como se
houvesse algum motivo para soberba? Seria tão mais honesto, tão mais coerente
com as origens éticas do partido se, em vez de desqualificar o trabalho do
Supremo com suspeitas infundadas e se, em lugar de responsabilizar a mídia, os
réus mensaleiros aceitassem o revés com humildade e fizessem uma corajosa
autocrítica como pedia Lula sete anos atrás.
Como dirigentes partidários ousam suspeitar da isenção de uma Corte cujos
membros em sua maioria foram indicados por Lula e Dilma e que, portanto, não
têm qualquer razão para lhes ser deliberadamente hostis? Que interesses
levariam esses juízes a sacrificar suas reputações para "condenar sem
provas"? Como colocar em dúvida a correção de um personagem como Joaquim
Barbosa, que pode ter um temperamento difícil, mas cuja opção política é
conhecida (há dias, ele confessou em entrevista ter votado três vezes em Lula,
sem arrependimento, porque "as mudanças e avanços no Brasil nos últimos
dez anos são inegáveis").
Os petistas acreditam ter motivos de queixa pelo rigor inédito do STF, que,
espera-se, não seja de exceção, aplicado apenas nesse caso. Mas, ao se recusar
a assumir a culpa que lhe cabe, o PT perdeu a oportunidade histórica de ser
diferente também no erro, como foi um dia nos acertos.
Fonte: O Globo
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