É difícil saber o que o candidato Celso Russomanno (PRB) faria no comando da
Prefeitura de São Paulo caso eleito. O apresentador evitou ao máximo, durante
toda a campanha, dizer o que pensa. Quando decidiu se pronunciar, defendeu uma
proposta aparentemente lógica, mas perigosa eleitoralmente: quem utiliza mais
ônibus, pagará mais pelo transporte.
Como os usuários que andam mais são os moradores da periferia - e, logo, os
mais pobres - Russomanno jogou contra o eleitorado que lhe pôs na liderança das
pesquisas. Sem ter como voltar atrás e atacado pelos adversários, o ex-deputado
federal caiu sete pontos percentuais pelo Ibope, divulgado anteontem, e cinco,
pelo Datafolha de ontem.
Russomanno foi obrigado a parar de surfar na popularidade de apresentador de
TV, cultivada há quase três décadas, e mergulhar na realidade dos problemas
concretos da cidade.
Grandes problemas, complexos, mas cuja abordagem em sua propaganda eleitoral
recebeu tratamento estrategicamente superficial, cosmético. Quanto menos se
comprometer, melhor.
A questão do transporte público, essencial numa cidade com mais de 11
milhões de habitantes como São Paulo, já havia sido contemplada por Russomanno.
Ao estilo defensor dos direitos dos consumidores, pelo qual fez sua carreira
em programas populares, o candidato propôs lutar pela entrega de um produto
melhor: ônibus com piso rebaixado e ar-condicionado.
Mesmo o esquálido volume de propostas revela Russomanno
Nada muito sistêmico, estruturador - e sem previsão de custos. E nada muito
diferente do restante de suas propostas, sequer organizadas em algo que se
poderia chamar de programa de governo. O próprio candidato reconheceu ainda não
ter um. Mas somente depois de ser instado a explicar a diferença entre o que
anunciou como tal, em debate de TV, e o fino e genérico panfleto que já havia
divulgado. Russomanno admitiu, então, que tem só um plano de governo - e não um
programa.
Nos primeiros 26 dias de propaganda na TV, o candidato do PRB dedicou menos
de 20% de suas inserções, os chamados spots, para tratar de políticas públicas,
conforme mostrou o Valor. Em 80% dos spots, Russomanno falou de si mesmo ou de
sua liderança nas pesquisas eleitorais.
Seu roteiro foi andar pelas ruas da cidade e apontar problemas como um
repórter e apresentar soluções em forma de bandeira: "mais saúde",
"melhor educação", "qualidade no transporte", sem entrar
demasiadamente no mérito, em como mudar.
Os adversários demoraram a explorar o flanco - talvez até porque, entre eles
mesmos, as propostas também não são levadas em alta conta. Queriam mais falar
de religião. Enquanto as críticas a Russomanno se resumiam à acusação de
pertencer a um partido que seria o braço político da Igreja Universal do Reino
de Deus, o candidato do PRB empurrava a discussão para o campo, digamos, laico.
A resposta - "Vamos falar de São Paulo?" - virou quase um bordão.
Ironicamente, quando os concorrentes resolveram questioná-lo sobre a cidade,
Russomanno pareceu um leigo.
Às pressas, os cardeais - ou bispos - de sua candidatura procuram
especialista de renome que possa assinar o incipiente programa de governo.
A falta de um corpo de ideias pode refletir uma decisão estratégica.
Candidatos teimam em apresentar programas de governo quando isso deveria ser
uma obrigação prévia - a legislação só exige que seja feito o registro de um
plano. Também pode refletir o descaso, o despreparo ou a falta de um partido ou
grupo político com formulações mais ou menos claras a respeito dos principais
problemas a serem enfrentados.
Mas mesmo o esquálido volume de propostas sugerido pelo franzino candidato
do PRB pode revelar suas preferências. Governar é fazer decisões políticas, que
na maioria das vezes privilegiam um segmento em detrimento do outro.
Russomanno já foi filiado ao PFL (hoje DEM), ao PSDB e ao PP, e no início de
sua vida política assessorou o então governador Paulo Maluf e o último
vice-presidente do regime militar, Aureliano Chaves, ambos oriundos da Arena,
partido que sustentava a ditadura. Sua linhagem partidária é conhecida e
coerente. E diz muito sobre seu perfil ideológico, embora Russomanno, como a
maioria dos políticos de direita no Brasil, não se assuma como tal.
A proposta do candidato para o transporte público de São Paulo segue a mesma
lógica do pensamento que está por trás, por exemplo, das críticas às cotas
sociais no ensino público e às transferência de renda para populações mais
pobres.
É a lógica da não interferência do Estado na correlação de forças sociais e
que leva à manutenção do status quo - uma das premissas clássicas do
conservadorismo. A proposta de Russomanno, aparentemente igualitária, é, na
verdade, liberal.
Não é um pecado capital para a candidatura, dado que o eleitorado em São
Paulo tem se comportado tradicionalmente de modo conservador. Mas causou um
estrago. Deu munição, principalmente para o petista Fernando Haddad, que
esperava obter uma maior proporção de votos da periferia e tenta desmascarar
Russomanno como o legítimo defensor dos interesses da população mais pobre.
É de se perguntar também por que o tropeço de Russomanno ocorreu na área de
transporte. Uma explicação plausível é a limitação percebida em outros campos,
como a saúde (seara mais afeita ao tucano José Serra, ex-ministro desta Pasta)
e a educação (especialidade de Haddad, também ex-ministro, e do pemedebista
Gabriel Chalita, ex-secretário estadual).
Se, por um lado, a disputa em São Paulo põe em xeque a importância dos dois
principais partidos, o PT e o PSDB, em estruturar as preferências do
eleitorado, por outro, a ascensão personalista de Russomanno não ficou imune às
pressões dos sempre imponderáveis fatores de campanha. Resta saber se ele vai
sobreviver.
Fonte:
Valor Econômico
Nenhum comentário:
Postar um comentário