Para procuradores, é "jus esperniandi"; advogados querem fazer dele manifesto
Tatiana Farah
SÃO PAULO - Nada mais que "jus esperniandi", o direito de espernear ante uma derrota no julgamento do mensalão. Assim procuradores da República classificaram ontem o artigo do ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, que critica a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) e vê um avanço da "tendência repressiva" nos tribunais brasileiros. Por outro lado, o texto, publicado no site "Consultor Jurídico", ganhou ares de manifesto para criminalistas renomados, como José Carlos Dias, também ex-ministro da Justiça.
- É o "jus esperniandi" de uma geração que estava acostumada a protelar as decisões judiciais até a prescrição. O Brasil é o país que tem mais garantias de direito de defesa e isso não está sob risco - afirmou a procuradora da República em São Paulo Janice Ascari.
Guilherme Magaldi, procurador da República no Distrito Federal e advogado na área econômica, também criticou Bastos. Ele chegou a responder a um e-mail de um círculo de advogados criminalistas que elogiavam o texto.
- É um absurdo, não existe repressão em tribunais. Só pode ser choro de derrotado - disse ele referindo-se à atuação de Thomaz Bastos como defensor de um dos executivos do Banco Rural. - Ele perdeu a causa e saiu com essa história. É um delírio.
Para José Carlos Dias, porém, que também atuou no julgamento do mensalão, o artigo de Thomaz Bastos deveria ser transformado em manifesto.
- A presunção de inocência foi substituída pela presunção de culpa - disse Dias.
Advogado do ex-ministro José Dirceu, condenado a dez anos e dez meses de prisão no julgamento do mensalão, José Luis de Oliveira Lima também criticou a atuação do STF e defendeu o texto de Thomaz Bastos:
- O Supremo fez uma condenação com base em indícios e isso abre uma linha perigosa no Judiciário.
Para o presidente da OAB-RJ, Wadih Damous, "estamos assistindo a uma exacerbada e perigosa judicialização da política e a uma acentuada e inconveniente politização da Justiça. No julgamento da ação penal 470, não há dúvida de que a voz da acusação foi mais ouvida e acatada do que a voz da defesa. Temo que um certo senso comum, que começa a se consolidar, faça prevalecer a ideia da presunção da culpabilidade e faça da presunção de inocência letra morta nos futuros julgamentos penais".
O juiz Rubens Casaro, da Associação de Juízes para a Democracia (AJD-RJ), afirmou que o país vive um momento de "obscurantismo penal".
- A garantia da presunção de inocência foi inutilizada. Imagine isso quando o réu for uma pessoa simples, acusada de roubar um botijão de gás. Como ele vai produzir as provas de sua inocência?
Para a História / Opinião
EM ARTIGO no site "Consultor Jurídico", Márcio Thomaz Bastos reuniu as principais críticas que advogados de defesa de mensaleiros, como ele, fazem ao julgamento do qual a maioria saiu derrotada.
UMA DELAS, a de que garantias e direitos foram atropelados pelo Supremo, possuído por uma ânsia repressiva além dos limites.
O ADVOGADO e ex-ministro de Lula foi rebatido por juristas. Para a História, é preciso deixar claro, quantas vezes forem necessárias, que não se distorceu nada no julgamento.
ATÉ MESMO o princípio do "domínio do fato" é conhecido há décadas: foi usado no julgamento de criminosos de guerra de alta patente alemães e japoneses.
SEM ELE, marechais, generais e equivalentes seriam inocentados pela falta de provas materiais. Mas, ao ser estabelecido que não é difícil chefe apagar rastros, foi possível condenar mensaleiros graduados a partir de provas testemunhais e evidências.
CASO CONTRÁRIO, teria aumentado o descrédito público do Poder Judiciário, reconhecido interna e externamente pela benevolência com que trata (ou tratava) os réus poderosos, com destaque para os corruptos
Fonte: O Globo
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