Muitos desdobramentos poderão sobrevir até que haja um desfecho definitivo para o episódio do julgamento do "mensalão" no Supremo Tribunal Federal (STF) - embargos, outros recursos, publicação de sentenças, etc. Pode ser que as decisões finais invadam até o ano de 2014. No momento em que estas linhas são escritas, também não está claro qual será o rumo do episódio em que o STF declarou irregular a votação - adiada - do veto presidencial à divisão pretendida pela Câmara dos Deputados para a repartição dos royalties do petróleo, antes de apreciados no Congresso outros 3 mil vetos presidenciais anteriores. Seja como for, ante as decisões já tomadas pelo STF e as reações no Congresso, parece claro que está configurada uma crise nas relações entre os Poderes mais altos da Federação e até no seio de cada um deles (há divergências até entre os próprios ministros do STF). É muito grave.
Pode-se começar pelo fim: tem cabimento que se acumulem no Congresso, à espera de decisão dos parlamentares, mais de 3 mil processos de vetos presidenciais? Ou os respectivos temas não têm importância - e seria espantoso verificar que as Casas do Congresso percam tempo legislando sobre questões irrelevantes ou o próprio Parlamento não lhes dá a importância que têm, embora os haja transformado em projetos de lei, ainda que vetados. Em qualquer hipótese, cabe a indagação sobre a relevância das atividades ali. De novo, muito grave.
Houve muita discussão entre os ministros do STF e ela continua no Congresso e nos meios jurídicos. São várias as interpretações sobre o artigo 55 da Constituição e seus parágrafos, quanto à competência do STF para decretar a perda do mandato de três deputados federais - e até sobre a possibilidade de o Supremo determinar a prisão de réus 110 processo. Ao que parece, segundo se lê nos comunicados, muitos juristas entendem que está fixada naquele artigo a competência. Mas, e se não for obedecida, ao final dos prazos (que poderão ir até 2014, repita-se) ? E se ama ordem de prisão não for cumprida? E a repercussão disso nos mandatos? Vai-se ter parlamentares com prisão decretada no exercício do mandato?
São muitas as evidências de que, em qualquer hipótese, será preciso promover uma revisão dos textos legais para eliminar campos em que as dúvidas possam vicejar - porque elas têm e terão consequências indesejáveis para o País, a população, os Poderes que nos regem.
Na verdade, não é problema novo. E um dos sintomas de maior gravidade está na entrevista que o ex-ministro Nelson Jobim (Defesa, Justiça, STF) concedeu há uns poucos anos ao jornal Folha de S.Paulo, na qual informou que, na condição de sub-relator da Constituinte em 1988, por sua vontade própria e exclusiva, com sua própria mão, acrescentou, sem consultar ninguém, ao texto do projeto de Constituição já discutido e aprovado no Congresso alguns dispositivos que dele não constavam. Não informou de que dispositivos se tratava. Mas nem o próprio Congresso, nem o Judiciário ("guardião da Constituição"), nem o Executivo se deram ao trabalho de confrontar o texto aprovado no Parlamento com o que foi publicado depois. Que dispositivos eram esses acrescentados pelo sub-relator? Que áreas foram afetadas? O País os está cumprindo? Com que consequências?
Todos os que fazemos parte da comunicação temos nossa dose de culpa. Também nós não nos demos ao trabalho de fazer a confrontação, informar ao País o que fora modificado ilegalmente - e que consequências está tendo. Teria sido apenas bravata do ex-ministro? Mas partindo de alguém que já ocupara alguns dos mais altos postos nos três Poderes da República? E se não foi bravata, que danos causou?
Retornando ao início: disse o presidente da Câmara dos Deputados (Estado, 18/12) que o STF "invadiu prerrogativas" e "usurpou" funções do Congresso ao determinar a cassação dos mandatos de três deputados. Anunciou que recorreria em 2013 ao próprio STF. Mas, e se este mantiver a decisão? Continuará o conflito, já que o texto da Constituição permanecerá? Que se fará?
Também a questão do embate entre Estados na divisão dos royalties pagos por empresas que explorem o petróleo é grave. Pode levar a conflitos muito sérios no âmbito da Federação. E não pode ficar sujeita a expedientes ardilosos, mas que permitam que a decisão sobre um veto presidencial passe à frente de milhares de outros, porque assim decide uma maioria composta de parlamentares das unidades federativas que seriam beneficiadas. São casuísmos incabíveis em matérias constitucionais. Não são apenas questões interna corporis, privativas do Congresso, como as qualificou o ex-presidente José Sarney, do alto da presidência do Senado.
Todas essas questões, na verdade, agravam a descrença de grande parte da população ante os mecanismos institucionais e legais, os processos legislativos, as decisões administrativas. E a parcela que descrê de tudo entende que "quem pode mais chora menos", quem tem poder - em qualquer instância - decide a seu favor e de seus apaniguados, haja ou não lei. Na melhor hipótese, há apenas decisões muito localizadas que, embora possam ser justas, atendem unicamente aos interesses específicos de eleitores desse local, sem se ampliarem ao coletivo maior. É por esses caminhos que floresce a "retórica da indignação" - tantas vezes já mencionada neste espaço: os cidadãos sentem- se indignados com tudo, mas nada fazem - inclusive porque parte deles também segue o mesmo rumo no seu âmbito menor, ao sonegar impostos, furar filas, subornar o guarda, etc.
Por isso é preciso também repetir: a sociedade precisa aprender a organizar-se em grupos, discutir seus problemas, recorrer a quem possa ajudá-la (Procons, Ministério Público, universidades) e formular projetos de interesse social, para levá-los ao âmbito da política, das eleições. Só reclamar é indispensável insistir não resolverá.
Jornalista
Fonte: O Estado de S. Paulo
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