No momento em que a Polícia Civil de Brasília prendeu o economista e ex-chefe da Assessoria de Orçamento do Senado Federal, José Carlos Alves dos Santos, exatos 21 anos depois de ter vindo à tona o escândalo dos Anões do Orçamento, outra data serve para abrir um debate sobre o próprio Orçamento: na terça-feira o Instituto de Direito Público, presidido pelo ministro do Supremo Gilmar Mendes, organizará uma série de palestras com especialistas e autoridades de várias áreas para marcar os 50 anos da Lei 4320, que promoveu uma reforma modernizadora nesse processo.
Na ocasião será distribuído o livro “Orçamentos: Por que Desinteresse?”, de Fernando Rezende e Armando Cunha, da Fundação Getulio Vargas. O orçamento público é lei básica da democracia moderna, e historicamente foi a origem do Parlamento, pela necessidade de definir o financiamento das obras públicas e as prioridades de um governo.
O que é prioridade nos parlamentos das democracias desenvolvidas do mundo, não passa de um detalhe da atividade parlamentar brasileira. A partir da ditadura militar, o orçamento passou a ser tratado como um decreto lei, o Congresso só podia aprová-lo ou rejeitá-lo, sem emendá-lo emendá-lo.
A Constituição de 1988 retomou o espírito da de 1946, com a capacidade de emenda do Congresso. Mas no governo Collor surgem os “anões do orçamento”, com o ex-deputado João Alves – que “ganhou” várias vezes na loteria – de relator, manipulando o orçamento a favor de um pequeno grupo, em todos os sentidos, com a ajuda do José Carlos Alves dos Santos citado acima.
O Executivo voltou então a centralizar as decisões sobre o Orçamento, que passou a ser autorizativo, isto é, o governo central pode contingenciar determinadas verbas. O orçamento impositivo aprovado pelo Congresso diz respeito apenas às emendas dos parlamentares.
Coordenador dos debates no IDP em Brasília, o economista José Roberto Afonso diz que na prática o orçamento “ainda é um caixa preta, ignorada por muitos, e, o pior, sempre que há um escândalo de corrupção, no fim da meada está o orçamento”. Ele diz que não há dúvida de que precisa ser remodelado todo o processo, “mas ninguém quer tratar do assunto”. A mais recente tentativa foi aprovar na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado um projeto originário do ex-senador Tasso Jereissati relatado por Francisco Dornelles. O governo manobrou e enviou-o para outra comissão.
Nos EUA, o Orçamento obedece ao princípio secular de que não pode haver tributação sem representação, a célebre máxima “no taxation without representation”, que marcou a revolta das colônias americanas contra o Congresso inglês, que assumia uma representação virtual das colônias e se sentia autorizado a definir seus impostos.
O economista da Fundação Getulio Vargas Fernando Rezende, co-autor do livro que dá base ao seminário de Brasília, nota que nos últimos anos o peso dos impostos que recaem nas costas de todos os brasileiros é tema de debate permanente, “mas o mesmo não ocorre com respeito à forma como os recursos oriundos desses impostos são utilizados”.
O orçamento, formado com o dinheiro que o governo extrai compulsoriamente dos cidadãos por meio de uma grande variedade de tributos, não é motivo de igual interesse, estranha ele, para lembrar que a indignação com a má qualidade dos serviços públicos deveria levar a uma preocupação maior com a maneira como é feito o orçamento, que está por trás dessa situação. “É preciso provocar um debate sobre prioridades, beneficiários, desequilíbrios, resultados e desperdícios envolvidos nas decisões sobre o uso dos recursos públicos”, diz ele.
As regras que comandam a elaboração e a execução do orçamento pressupõem que a sociedade deveria participar das decisões sobre o uso dos recursos que compõem o orçamento durante a tramitação da proposta que o governo elabora e envia ao Congresso para ser discutida e votada.
Mas, ressalta Fernando Rezende, “afora a mobilização de alguns setores que buscam preservar seu espaço no orçamento, a sociedade brasileira não se envolve nesse debate”.
O orçamento público é muito importante para ser ignorado, lamenta Rezende: “Ele repercute no cotidiano dos cidadãos, afeta o comportamento da inflação, é fundamental para proporcionar iguais oportunidades de ascensão social para uma parcela expressiva da população e para melhorar as condições necessárias ao desenvolvimento do país”.
Em suma, precisa ser conhecido e respeitado.
Fonte: O Globo
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