- Folha de S. Paulo
O Brasil deve a Inês Etienne Romeu, a ex-presa política que morreu ontem em Niterói (RJ), um dos relatos mais importantes sobre os crimes da ditadura militar.
Inês foi a única sobrevivente da Casa da Morte de Petrópolis. Graças a ela, sabe-se que o Exército manteve um centro clandestino na região serrana do Rio para torturar e matar adversários do regime. Por lá passaram ao menos 20 desaparecidos, cujos corpos nunca foram localizados.
Presa em 1971, Inês ficou na casa por 96 dias. Oito anos depois, entregou um relatório à OAB. Revelou a existência do local, apontou os codinomes usados pelos torturadores e narrou os suplícios que viveu.
"Fui várias vezes espancada e levava choques elétricos na cabeça, nos pés, nas mãos e nos seios", contou. "Um dos mais brutais torturadores arrastou-me pelo chão, segurando pelos cabelos. Depois tentou estrangular-me e só me largou quando perdi os sentidos. Esbofetearam-me e me deram pancadas na cabeça".
"Fui estuprada duas vezes por Camarão [codinome de um militar] e era obrigada a limpar a cozinha completamente nua, ouvindo gracejos e obscenidades os mais grosseiros".
Abalada pelas sessões de tortura, Inês tentou se matar quatro vezes. Sobreviveu. Conseguiu sair porque prometeu agir como infiltrada para delatar colegas. Não cumpriu o acordo e voltou a ser presa até 1979. Deixá-la viva foi "uma das maiores mancadas" da repressão, diria depois o ex-sargento Marival Chaves.
Antes do fim da ditadura, a ex-presa identificou a casa e dois algozes. Sua coragem impulsionou outras investigações sobre crimes do regime.
Nos últimos anos, Inês conviveu com graves limitações físicas. Falava e se locomovia com dificuldade. Mesmo assim, ajudou a Comissão Nacional da Verdade a identificar mais seis torturadores. Em depoimento ao órgão, o coronel Paulo Malhães reconheceu seu papel na história: "Foi a Inês Etienne Romeu que derrubou a Casa de Petrópolis".
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