É totalmente inconveniente para o País, neste momento, o desentendimento entre procuradores da República e policiais federais a respeito das competências de cada um deles no inquérito da Operação Lava Jato. Tal confronto de vaidades, que levou à interrupção de parte das investigações, não interessa senão aos implicados no escândalo. Por essa razão, é fundamental que o impasse seja rapidamente superado - e, para tanto, basta seguir o que está na lei.
O estopim da crise foi aceso no dia 14, quando a Procuradoria-Geral da República encaminhou ao Supremo Tribunal Federal (STF) um pedido para que fossem adiados os depoimentos de diversos políticos suspeitos de envolvimento no escândalo. As oitivas deveriam ocorrer entre os dias 15 e 17. O argumento do procurador-geral, Rodrigo Janot, era que a suspensão daria tempo para organizar melhor a linha de investigação sobre os casos relativos à Lava Jato que estão no STF. A atitude de Janot irritou os delegados da Polícia Federal encarregados das investigações.
Para os policiais, o Ministério Público está interessado em tomar para si o planejamento e a execução das investigações, sobrepondo-se às atribuições da Polícia Federal (PF) como polícia judiciária. A prova disso, segundo os delegados, está na iniciativa dos procuradores de telefonar aos parlamentares para informar que eles poderiam prestar seus depoimentos na sede da Procuradoria-Geral - sem a presença dos policiais - e não na PF. Os delegados da PF consideraram a "orientação" dada pelos procuradores aos suspeitos uma intromissão nas investigações.
Além disso, Janot disse em sua petição ao STF, conforme informou o jornal Valor, que são "atribuições exclusivas" da Procuradoria-Geral "o modo como se desdobra a investigação e o juízo sobre a conveniência, a oportunidade ou a necessidade de diligências tendentes à convicção acusatória". Sendo o Ministério Público o titular da ação penal, é também o "verdadeiro destinatário das diligências executadas", escreveu Janot. Traduzindo: para o procurador-geral, cabe ao Ministério Público a titularidade da investigação, e à PF, auxiliar no recolhimento de provas.
O problema é que o Ministério Público é o responsável por formular a acusação. Por essa razão, há o risco de que, uma vez encarregados de determinar a linha de investigação, como quer Janot, os procuradores conduzam os depoentes a produzir provas contra si mesmos, e não a fornecer elementos que ajudem a esclarecer o caso.
É justamente para evitar que o Ministério Público tenha esse poder arbitrário que a Constituição e a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público não admitem a atuação da Procuradoria como polícia judiciária nas investigações criminais, cabendo esse trabalho, expressamente, à Polícia Federal e à Polícia Civil.
Há uma persistente confusão em torno do tema. Em 2013, o Congresso rejeitou uma Proposta de Emenda Constitucional que proibiria explicitamente o Ministério Público de realizar investigações criminais. A proposta foi chamada de "PEC da Impunidade" por supostamente tolher o trabalho dos procuradores e, com isso, permitir que políticos corruptos e outros bandidos de alto coturno se livrassem da Justiça.
Ocorre que o trabalho dos procuradores não esteve e não está, de nenhuma forma, tolhido. O que há é o desejo do Ministério Público de expandir suas atribuições, além de usufruir da notoriedade proporcionada por casos rumorosos como os levantados pela Operação Lava Jato.
Do lado da Polícia Federal, o problema é semelhante. Embora tenha razão quando reivindica o direito de conduzir as investigações como melhor lhe parecer, a PF não pode ignorar seu lugar institucional - como fez quando não consultou a Procuradoria-Geral e recorreu diretamente ao Supremo para pedir novas diligências, sob a alegação de que a procuradoria quer limitar as investigações.
O impasse entre a PF e o Ministério Público se dá justamente no momento em que chegou a vez de ouvir o que os políticos envolvidos têm a dizer. Qualquer forma de procrastinação agora pode soar suspeita e, seja qual for seu motivo, deveria ser a todo custo evitada.
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