Entrevista - Rubens Ricupero
• Ex-ministro da Fazenda vê com ceticismo acordos com a china e futuro do Mercosul
Silvio Cioffi - Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - Diplomata de carreira versado em economia, Rubens Ricupero exerceu funções políticas: foi assessor internacional do presidente eleito Tancredo Neves (1984/85) e assessor do presidente José Sarney (1985/87).
Ministro da Fazenda em 1994, no governo Itamar Franco, ele foi chamado de "sacerdote do real" à frente do plano de estabilização que pôs fim à hiperinflação.
Paulistano do Brás, Ricupero foi embaixador em Washington, Buenos Aires e Roma --e em nada lembra o estereótipo do diplomata punhos de renda.
Descendente de italianos, cursou a Faculdade de Direito da USP e entrou em primeiro lugar no Itamaraty quando a diplomacia brasileira ainda era dominada por sobrenomes pomposos.
Ricupero recebeu a Folha para uma entrevista em que comenta os impasses do ajuste fiscal e do Mercosul, os investimentos que a China anuncia no Brasil e na Argentina e defende a necessidade da retomada de uma agenda de crescimento de longo prazo que incluiria a vinda de mais imigrantes para o país.
Grau de investimento
Vejo os resultados da recente visita do primeiro-ministro chinês Li Kenqiang que, recebido pela presidente Dilma Rousseff, assinou acordos de mais de US$ 53 bilhões, como um golpe de anabolizante no momento em que o país precisa de estímulo. Num ambiente em que só se fala de cortes e desse ajuste de efeito inevitavelmente contracionista, é a primeira notícia de uma agenda de crescimento.
Deixando de lado projetos que vão levar anos para sair do papel, como o da ferrovia até o Pacífico, o que é crucial a curto prazo é dar um fôlego de financiamento à Petrobras num quadro de esgotamento da capacidade de financiamento do BNDES.
O governo está agora concentrado no curto prazo, na conjuntura, mas resta saber se o ajuste fiscal vai evitar a perda do grau de investimento. Se as agências entenderem que a manobra reduz a credibilidade do ministro da Fazenda Joaquim Levy, o resultado poderá ser um desastre.
No curto prazo, neste e no próximo ano, tenho esperança que o ajuste do ministro Levy vá adiante, mas não acredito que se vá conseguir tudo.
O tamanho do ajuste
Creio que a questão não é a mágica de um número, mas a vontade do governo de seriamente fazer o ajuste. Entrando na questão dos números, há dois objetivos no ajuste fiscal. O primeiro é evitar que a dívida pública aumente em relação ao tamanho do PIB.
Para isso, a rigor, levando em conta que o déficit do orçamento de 2014 foi de 6,7% do PIB --cifra que Levy ignorava ao anunciar sua meta de superávit primário de 1,2%--, o corte teria de ser maior, entre R$ 90 bilhões e R$ 100 bilhões, a fim de evitar que a necessidade do Tesouro tomar empréstimo para financiar o deficit faça crescer a dívida pública. Na prática, todo mundo aceitaria um corte de R$ 70 bilhões por reconhecer que seria difícil chegar ao número ideal, devido à economia em recessão e à rigidez do orçamento.
O segundo objetivo do ajuste é restaurar a credibilidade. Isso é, a prova de que o governo não vai continuar a política de gastos irresponsáveis do ano passado e anteriores.
Desse ponto de vista, o desalentador agora não é o número do ajuste, mas o fato de ele ser feito somente pelo Executivo. O Legislativo e o Judiciário, que fazem parte do governo, querem gastar. Basta ver as medidas aprovadas nos últimos dias, inclusive o absurdo aumento aos funcionários do Judiciário, entre os mais bem pagos da República.
Nessa situação, volta-se ao remédio de sempre: aumentar impostos, de um setor como os bancos que possui poucos simpatizantes. Ainda que as agências de avaliação de créditos possam se contentar com um ajuste feito solitariamente por Levy-Dilma, será que isso basta para recriar a confiança perdida dos empresários e investidores internos?
Feliz 2016?
Obtido um ajuste razoável, seria preciso um plano plurianual para que não sejamos prisioneiros do calendário.
A ideia básica do ajuste é evitar que a dívida siga crescendo em relação ao PIB, precisamos estabilizar a dívida e, depois, será preciso baixá-la.
O Brasil tem que financiar isso com taxas de juros de quase 14%. Precisamos de uma política crível de ajuste fiscal para financiar a dívida a um custo razoável.
Em 2014, a arrecadação do governo aumentou em 2% e os gastos aumentaram em 12%, quase 13%.
E como é você mantém isso com a economia crescendo 0%? Isso é insustentável.
O Brasil precisa voltar a crescer 3,5%, 4%. E temos que aperfeiçoar as instituições públicas, até porque esse sistema partidário é uma vergonha.
O Brasil parte de um patamar de miséria grave, temos que crescer como os asiáticos, durante 30 ou 40 anos.
Ajuste fiscal e inflação
Espero mesmo que se consiga retomar uma visão de país no médio e no longo prazo. Isso depende do quê? Que o ministro Levy tenha um êxito razoável --se ele tiver uns 70% de êxito, já é uma grande coisa. Em algum momento, ele precisa complementar o ajuste com uma agenda positiva de desenvolvimento, pois só o ajuste, embora ele negue, vai aprofundar a crise.
E de onde virá o dinheiro, com o corte de investimento do governo, dos chineses? Com o aperto de crédito, o setor automobilístico está devastado, não há dinheiro na agricultura, nas bolsas do Fies. O que está ameaçador é o problema do crédito, antes até da inflação e do desemprego.
Marola no fim do túnel
Eles nunca vão confessar isso, mas quebraram o país duas vezes, em 2010 e em 2014, para ganhar a eleição.
Embora tenhamos que admitir que em 2008 e 2009 a política para driblar a crise mundial tenha sido no Brasil rápida e correta, uma resposta que amorteceu o impacto, embora tivéssemos uma queda do PIB. Mas no último trimestre de 2009, com a economia já aquecida, eles mantiveram isso em 2010 porque era um ano eleitoral. Quebraram o país e elegeram a Dilma. Foi crime premeditado. Aí ela herdou uma situação difícil, tentou reagir, mas a indústria estava combalida, corroída pelo câmbio...
O futuro do Mercosul
Todos os programas latino-americanos de integração que precederam o Mercosul, como a Alalc, partiam de uma premissa: só a industrialização permitiria disseminar a tecnologia e o aumento da produtividade que são sinônimos de desenvolvimento.
Por detrás desses acordos, da integração, estava a ideia de que a industrialização precisava de escala.
Desaparecendo a indústria, desaparece a integração, porque nós não vamos vendendo soja ou milho um para o outro, ou carne etc.
Não é por aí e, antes mesmo desse acordo recente entre Brasil e China, já havia todo esse debate dos argentinos importando autopeças dos chineses. É um tema que vai causar dor de cabeça aqui, mas é só o topo do iceberg.
Mais novos imigrantes
Uma das únicas saídas para o Brasil é incentivar a imigração. Estão entrando pessoas da África, do Haiti, da Bolívia --e precisamos deles, estamos em situação grave do ponto de vista demográfico, com taxa de fecundidade abaixo do nível de reposição.
O Brasil não tem uma política ativa de imigração e as leis brasileiras são restritivas, mesmo para imigrantes qualificados. O imigrante é o indivíduo que tem a coragem de enfrentar no seu DNA, eu acho que deveríamos incentivar a vinda de imigrantes. A imigração é necessária também em termos quantitativos.
Fui embaixador na Itália e perguntei a um sociólogo: "Onde foi parar o dinamismo da população italiana?" Ele respondeu: "Está no seu país!" Deveríamos ter mais chineses, mais haitianos, mais africanos.
Olha que maravilha que foi a imigração japonesa. Nós devemos nos convencer que a política proativa de imigração é uma das poucas saídas que o Brasil tem --e olha que elas não são muitas.
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