Governo tem prova de fogo
• Articulação política pressiona PT e partidos da base para aprovar hoje MP do pacote fiscal
Catarina Alencastro, Simone Iglesias e Júnia Gama – O Globo
BRASÍLIA - Na véspera do início da votação do ajuste fiscal no plenário da Câmara, o vice-presidente Michel Temer tentou enquadrar publicamente o PT para votar unido sobre o tema, considerada pelo governo como primordial para a retomada do crescimento econômico. Será o primeiro teste de fogo de Temer desde que foi alçado ao posto de coordenador político do governo.
Na reunião que a presidente Dilma Rousseff teve ontem com ministros para articular a votação, Temer pediu que petistas "vistam a camisa" do ajuste fiscal. No encontro, ele alertou que, se isso não ocorrer, será difícil aprovar as duas medidas provisórias que restringem o acesso a benefícios trabalhistas e previdenciários, com o objetivo de gerar uma economia de R$ 18 bilhões. Mais tarde, antes de se reunir com líderes da base aliada para amarrar a estratégia do governo, Temer deu um recado ao partido da presidente:
- Estou até sugerindo ao PT, que tem entrosamento com os trabalhadores, com as centrais, que o PT por inteiro se dedique a essa aprovação, assim como os demais partidos da base aliada. Tenho certeza de que o PT e os demais partidos da base aliada estarão convencidos e unificados. É importante que haja unidade dos partidos nessa matéria. De vez em quando, ouço dizer que há uma ou outra divergência em um ou outro partido. Acho que não é possível fazer isso num momento que o país precisa de um ajuste econômico - disse Temer.
PT pretende "fechar questão"
O vice relatou, na reunião com Dilma, que os partidos aliados têm reclamado da postura do PT de não defender de forma objetiva as medidas, enquanto as demais legendas estão se expondo e trabalhando pela aprovação de pontos considerados impopulares. Petistas presentes no encontro disseram que o partido deverá "fechar questão" em torno da matéria. Ou seja, todos os deputados deverão ser obrigados a votar a favor das medidas do governo.
- Seria uma demonstração de elevadíssima consideração o PT fechar questão, mas isso é uma questão interna do PT. E penso que o partido tem tanto ou mais compromissos que os demais com os ajustes e fará de tudo para entregar todos os votos da sua bancada. É isto que se espera dele - disse o ministro da Aviação Civil, Eliseu Padilha (PMDB-RS), que vem ajudando Temer na articulação política, referindo-se ao PT.
Até o fim da tarde de ontem, a posição da bancada petista era incerta. O líder, Sibá Machado (AC) disse ao GLOBO que o fechamento de questão era sua prioridade, mas que não há ainda uma decisão do partido. Segundo Sibá, as discussões amadureceram nos últimos dias, o que poderá levar a um consenso.
Vários petistas, porém, resistem ao fechamento de questão, por serem contra a restrição de benefícios trabalhistas e previdenciários, especialmente na atual crise econômica. As medidas atingem em cheio a base eleitoral sindicalista do partido.
Os 64 deputados do PT serão instados, hoje, a apoiar o governo, mas boa parte está desconfortável. A situação piorou ontem, com a convocação da reunião por Sibá, que incluiu no comunicado da reunião o aviso que ela será para "fechar questão".
Reservadamente, os deputados petistas dizem que estão se sentindo com a faca no pescoço e que a votação das medidas de ajuste deixará sequelas na bancada. O líder do governo, deputado José Guimarães (PT-CE), admitiu ser preciso "pacificar" seu partido:
- A meta é termos 100% dos votos dos partidos da base. O PT e o PMDB puxam a marcha. O PT engata a primeira marcha, o PMDB engata a segunda e, da terceira para frente, é embalar o carro para votarmos. Para a base, a posição do PT é estratégica. Amanhã (hoje) teremos uma reunião para pacificarmos a bancada do PT - disse Guimarães.
No PMDB, Temer disse que está trabalhando para que seu partido vote, em peso, em favor das matérias. Ao fim da reunião de líderes, Padilha fez um cálculo:
- Teremos defecções, mas trabalhamos com a probabilidade de termos, dos 67, algo entre 50 e 55 (votos).
Ontem, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, disse estar confiante na aprovação do ajuste fiscal. Ele espera que a votação de todo o pacote aconteça neste primeiro semestre. Falando na cerimônia das comemorações de 15 anos do jornal "Valor Econômico", Levy frisou que é muito importante fazer o ajuste o mais rápido possível.
- Temos que fazer rapidamente porque a estabilização do quadro sem pressões inflacionárias vai nos ajudar a avançar numa outra agenda.
Correção do FGTS também na pauta
Não é só a votação do ajuste fiscal que pressionará o governo hoje. O blocão aliado ao presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), apresentará o projeto de correção do FGTS pela poupança, anunciado na semana passada.
O projeto é um movimento de Cunha para diminuir seu desgaste junto às centrais sindicais, após ter patrocinado a aprovação da terceirização sem restrições. A ideia é aprovar a urgência na tramitação do projeto para votá-lo na próxima semana, mesmo sem aval do governo, que teme um rombo nas contas públicas.
Antes de definir o texto sobre a correção do FGTS, o deputado Paulinho da Força (SDD-SP) cobrou de Cunha a votação de dois projetos polêmicos que há anos são evitados pelo governo: a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais ou o fim do fator previdenciário.
Cunha, porém, disse que não poderia colocá-los na pauta, sob risco de piorar consideravelmente a situação econômica, mas que traria um projeto como alternativa para contemplar os trabalhadores. Foi quando apresentou a ideia da correção do FGTS, pleito antigo das centrais, que acumula centenas de processos judiciais e duas ações diretas de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF).
Galerias abertas na votação da MP
No plenário, aliados rebeldes e deputados da oposição, comandados por Cunha, prometem criar dificuldades para o governo na votação hoje da MP 665. Ao contrário do que fez na votação da terceirização, Cunha deixará as galerias abertas para manifestantes protestarem contra a votação da medida, o que servirá para constranger o PT.
Paulinho da Força disse que programou levar sindicalistas para a Câmara, que terão placas com a provocação: "Cadê a CUT? Cadê o PT?".
Sem consenso no PT sobre a votação das medidas do ajuste fiscal, Cunha afirmou ontem que dificilmente as matérias do ajuste fiscal serão aprovadas se o PT não estiver fechado em torno ao tema:
- Se o PT não tiver acordo, vai ficar difícil convencer os partidos da base a acompanhar. Dificulta muito a posição - afirmou Cunha.
Cunha trabalha com uma possível obstrução da votação hoje, mas disse que tentará finalizar a apreciação da MP 665. O PT queria o adiamento da votação para que o governo tivesse mais tempo de convencer o eleitorado sobre as medidas, mas Cunha negou o pedido.
As medidas polêmicas
MP 664.
Deverá ser votada hoje por uma comissão mista do Congresso. Se aprovada, vai para o plenário da Câmara com prioridade de votação. Na pensão por morte, cria limitações, como o tempo mínimo de 18 meses de contribuição e de dois anos de casamento ou união estável para o pagamento da pensão. Antes, não havia prazos. No auxílio-doença, o valor não poderá exceder a média das 12 últimas contribuições. Antes, o cálculo tinha por base a média dos 80% maiores salários de contribuição.
MP 665.
Deverá ser votada hoje no plenário da Câmara. Eleva de seis para doze meses o tempo necessário de trabalho ininterrupto para o primeiro acesso ao seguro-desemprego. No abono salarial, antes, o trabalhador que recebia até dois salários-mínimos e permanecia por 30 dias no emprego tinha direito ao benefício de um mínimo por ano. Agora, são necessários três meses de trabalho ininterrupto para acesso ao benefício, pago de forma proporcional ao tempo trabalhado.
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