• Sempre que os ajustes são postergados, quando chega o futuro, ele é pior do que poderia ser
- Folha de S. Paulo
Há duas semanas foi anunciado plano de financiamento da Caixa Econômica Federal para a indústria automobilística, condicionado a que não haja dispensa de funcionários. Os recursos serão para linhas de capital de giro e investimento a taxas nominais de aproximadamente 10% anuais, praticamente a inflação deste ano.
A medida terá pouco impacto prático, pois o problema da indústria automobilística é de baixa demanda doméstica. Nos últimos anos foi adotada toda uma política de proteção, como o programa Inovar-Auto, que aumentou em 30 pontos percentuais o IPI para a importação de veículos das empresas que não montam no Brasil com 65% de conteúdo nacional.
O resultado da política de proteção foi gerar sobreinvestimento no setor: capacidade instalada de 5 milhões de unidades por ano para um mercado que dificilmente absorve mais do que 3 milhões.
Apesar de provavelmente inócuo, o plano de financiamento da Caixa vai frontalmente contra tudo o que o ministro Joaquim Levy disse desde que assumiu a Fazenda.
Há outros sinais de fraqueza do ministro. Além de se ter revisado para valores muito menores as metas de superavit primário, tem sido noticiado que diversos setores da base de sustentação do governo, inclusive a bancada do PMDB no Senado, não hipotecam apoio ao ministro. Aparentemente ele não sabe negociar direito. Aparentemente não cumpre os acordos com o Congresso. Aparentemente o ministro acredita que os gastos precisam ser cortados.
Temos assistido à dificuldade da sociedade e do Congresso Nacional em reconhecer e pagar o custo necessário do ajuste, dados os enormes desequilíbrios que construímos meticulosa e sistematicamente entre 2009 e 2014, período de vigência da nova matriz econômica.
Surgem sinais de fratura do comprometimento da base de sustentação política com o ajuste econômico.
Há outro caminho? O presidente da Fiesp, Paulo Skaf, pede imediata redução da taxa Selic, apesar de a inflação de preços livres estar acima de 6% ao ano. Colocamos novamente os bancos públicos subsidiando crédito ao setor produtivo. O outro caminho é exatamente o que fizemos de 2009 a 2014 –e que nos colocou nesse buraco!
Sempre que os ajustes são postergados, quando chega o futuro, ele é pior do que poderia ser. É sempre possível empurrar o futuro um pouco mais à frente. E, quando ele caprichosamente chegar de novo, será caprichosamente um pouco pior.
De negação em negação, vamos construindo nosso inferno. A inflação na Argentina passa dos 30% ao ano. Na Venezuela, o órgão oficial aparentemente desistiu de medi-la. Todas as avaliações sugerem algo muito acima de 100% ao ano. É para lá que nós vamos?
Sugestão de leitura: "Inflação, estagnação e ruptura, 1961-1967", capítulo 9, de Mário Mesquita, em "A ordem do progresso", a clássica coletânea de história econômica do Brasil organizada por Marcelo de Paiva Abreu, editado pela Campus. Governo fraco herdou economia desarranjada do governo anterior. De negação em negação, deu no que deu.
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Samuel Pessôa, formado em física e doutor em economia pela USP, é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV.
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