Marcelo de Moraes, Erich Decat - O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA - Terceira colocada na última disputa presidencial, a ex-ministra Marina Silva considera que a presidente Dilma Rousseff perdeu as rédeas do País antes mesmo de chegar ao primeiro ano do segundo mandato. Para ela, o "desgoverno", originado pelo agravamento da crise política e econômica, colocou a condução do Brasil nas mãos de um "triunvirato" integrado pela cúpula do PMDB no Congresso, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Qual é avaliação que a senhora faz deste cenário atual?
A crise que estamos vivendo é profunda, mas ela é anunciada. E tanto é que desde 2010 estamos anunciando. E naquela época falávamos e parecia que éramos um bando de ETs dizendo que era preciso uma nova governabilidade, que era preciso governar com os melhores, que era preciso aposentar a velha República, chamar a responsabilidade da Nova República e orientar as ações do País com uma agenda. É preciso acabar com a reeleição porque é um atraso no Brasil. As pessoas não fazem o que é necessário para o País, fazem o que é necessário para se reelegerem.
Essa crise é um marco para a próxima eleição?
O que se espera na próxima campanha é que se discuta um projeto de País e não projeto de poder. Em lugar de os políticos ficarem usando a crise para ganhar popularidade, que resolvam a crise para evitar os danos à sociedade. O que ela quer é que as lideranças políticas façam aquilo que é importante para o País voltar a crescer, voltar a ter investimentos, controlar inflação, investir na agenda social naquilo que é fundamental e estratégico. O compromisso com essa agenda é dado em cima da verdade, do reconhecimento dos erros, dos problemas. É assim que todos nós vamos ter credibilidade. Não é momento de estratégias para recuperar a popularidade. Esse é o momento de serviço, trabalho, humildade, conversa para recuperar a credibilidade. E conversa não é você encurralar adversários.
A sra. crê que a presidente Dilma chega ao final do mandato?
A presidente Dilma tem um dos maiores desgastes da história da nossa democracia. Mas ela tem a legitimidade institucional do voto. Enquanto não ficar provado peremptoriamente pelas investigações de que há um envolvimento direto, não se muda presidente porque a gente discorda dele. Se não, isso nos levará aos casuísmos. A gente não pode fazer política revogando a lei. Então, eu tenho que me ater aos aspectos daquilo que estão embasados na Constituição. Mas obviamente que o Brasil já está sendo governado por um triunvirato. Quem está governando o Brasil é o PMDB no Congresso, é o ministro Joaquim Levy e, de certa forma, o presidente Lula, ainda que indiretamente.
A presidente Dilma perdeu as rédeas da governabilidade?
No meu entendimento, infelizmente, nós temos uma situação no nosso País em que há baixíssima governança e ausência de liderança por parte da presidente da República. Exatamente agora com todos os danos que foram feitos em função de uma política equivocada, o governo manda para o Congresso a responsabilidade de fazer os cortes no Orçamento da União. Ou seja, você tem uma ação administrativa, um governo que faz os danos e não se compromete, não se responsabiliza com o ônus de fazer os cortes necessários para que se consiga ajustar as contas públicas. Fico imaginando se fosse num período de bonança, se o governo mandaria uma peça orçamentária aberta para os parlamentares alocarem os recursos da maneira que achassem conveniente. Isso é a denúncia do desgoverno.
Acredita que Dilma já sabia do atual quadro durante a campanha?
No meu entendimento, o que foi feito foi uma ocultação da gravidade da crise econômica porque por pior que seja a capacidade de avaliação, jamais se poderia achar que as coisas estavam tão bem e depois de um mês dizer que estamos no fundo do poço. Não teria como não ter os elementos, os indícios que estávamos vivendo uma situação de gravidade. Acho que não tem como dizer que avaliou mal ou subestimou. Na verdade, o que aconteceu é que se ocultou a crise.
Se fosse chamada para propor saída, qual seria a sua proposta?
Acho que prioridade neste momento é falar a verdade. E se a gente exige que quem está no timão fale a verdade, a gente também tem que se dispor a agir de acordo com a verdade. E, neste momento, ninguém isoladamente tem uma resposta. Não adianta imaginar que o governo sozinho tem a resposta. O PMDB com a Agenda Brasil não é a resposta. Até porque virou a agenda do Renan. Nem o PSDB é a resposta, ninguém. A presidente teve uma vitória, mas foi uma vitória de quem ganhou perdendo.
Há espaço para reformular a política?
Numa democracia, há espaço sim para o debate. Um dos problemas graves que a gente vive é que o acirramento da campanha levou o País a uma disposição de se tornar um País cindido e essa cisão que acontece nos impede muitas vezes de fazer o debate no mérito porque cada um já tem que ter um rótulo para rotular o outro. Ninguém olha para o mérito das coisas. Neste momento, é cada um defendendo as suas ideias. Como diz a música do Gilberto Gil: 'o povo sabe o que quer, mas também quer o que não sabe'.
A Rede disputará as eleições de 2016?
Estamos na expectativa de que o julgamento no TSE aconteça nesta primeira quinzena de setembro. Já temos o parecer favorável do Ministério Público. Estamos aguardando o parecer do relator e estamos muito confiantes. E ao obter o registro, nosso esforço será programático. Não vamos fazer nenhuma movimentação para trazer parlamentares a qualquer preço. Virão aquelas pessoas que tenham compatibilidade com o nosso ideário de renovação da política. Também não vamos fazer um cavalo de batalha para ter candidatura em todos os lugares.
Apesar da distância, a senhora será candidata em 2018?
Não sei ainda como vou continuar contribuindo com o Brasil. Neste momento, acho que estou contribuindo porque participo dos debates com os meios que disponho. Agora, se serei ou não candidata, se ficarei apenas nessa militância mais ampla na sociedade, isso ainda não sei. Óbvio que eu tenho muitas dificuldades de ficar nessa cadeira cativa de candidata porque quero dar uma contribuição viva, genuína. Acho que quando você já fica nessa cadeira cativa, você não faz nem diz o que é melhor. Então, prefiro não ficar nesse lugar para poder ter o direito de falar o que eu acho que é mais justo.
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