• Risco de resposta populista de Dilma à crise política é real
- Valor Econômico
Há curiosas semelhanças entre o pior momento vivido por Luiz Inácio Lula da Silva em seus dois mandatos presidenciais e a crise enfrentada por Dilma Rousseff agora. No auge do escândalo do mensalão, na segunda metade de 2005, Lula percebeu que precisava se reaproximar de sua base social para defender o mandato. Depender apenas dos aliados no Congresso para evitar o impeachment era perigoso. Do ponto de vista programático, Dilma governou, desde o primeiro mandato, muito mais próxima dessa base social do que Lula nos três primeiros anos de governo. Afastou-se um pouco dela por causa da necessidade do ajuste fiscal, mas, agora, diante do perigo real de perda do cargo, tende a se reaproximar.
Impeachment só ocorre com voto no Congresso e clamor das ruas. Em 2005, a oposição a Lula constatou que não tinha nem uma coisa nem outra. O então presidente, assustado com a possibilidade de ser apeado do cargo pelo qual tanto lutou - foram três derrotas antes do triunfo de 2002 -, convocou as centrais sindicais e os movimentos sociais para irem às ruas defendê-lo.
Nos três primeiros anos de mandato, premido pela crise aguda que assolava o país na sua chegada ao poder, Lula fez um governo "conservador". Apesar do sucesso da política econômica - a inflação, que ameaçava sair de controle (chegou a 17% em 12 meses em abril de 2003), foi reduzida e domada, o Produto Interno Bruto (PIB) voltou a crescer e em 2005 a dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI) foi quitada -, a insatisfação com os rumos da economia, nas hostes do PT e dos partidos de esquerda que apoiavam o governo, era grande.
Revoltados com a reforma da previdência e com o "neoliberalismo" da política econômica, intelectuais romperam com Lula de forma ruidosa. Aos sindicalistas que se queixavam da ausência de quadros do setor no governo, o presidente reagia com uma blague: "Vocês já têm o presidente da República". Internamente, entre 2003 e 2005, Lula pressionava a equipe econômica a fazer inflexões, especialmente na política de correção do salário mínimo, mas era sempre convencido a manter-se no rumo da responsabilidade fiscal e monetária, razão do sucesso obtido até ali.
Com o mensalão, fragilizado e enfrentando a ameaça de impeachment, Lula entregou dois ministérios às centrais sindicais - do Trabalho e da Previdência Social -, abriu outros espaços na máquina governamental para a esquerda do PT e os partidos aliados e começou a pressionar a equipe econômica a operar mudanças. As centrais, unidas pela primeira vez, fizeram exigências que custaram e ainda custam caro ao país: a sua participação no bolo de arrecadação do anacrônico imposto sindical e o veto às privatizações (não foi por outra razão que nenhum aeroporto foi entregue ao setor privado durante os oito anos de Lula).
Quando o impeachment ainda era um risco, o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, tentou convencer o presidente a lançar um plano para zerar o déficit público. Seria um aprofundamento das políticas que vinham sendo adotadas desde 2003 e que, na opinião de Palocci, reduziriam o ímpeto da oposição em levar o processo de impeachment adiante. A ideia era que, diante do "déficit zero", as próprias elites econômicas tratariam de aplacar os ânimos da oposição.
Economicamente, o plano poderia antecipar a obtenção do grau de investimento pelo país, abrindo espaço para uma queda mais rápida da taxa de juros e criando as condições para o país crescer de forma mais célere e sustentada. Comprometido com a base social engajada na defesa de seu mandato, Lula tratou, ao seu jeito, de matar aquele projeto no nascedouro. Agendou a apresentação da proposta, chamou Dilma, então chefe da Casa Civil, e instigou-a a fazer um contraponto. Foi fácil: contrária desde sempre a tudo aquilo, a então ministra não deixou Paulo Bernardo (ministro do Planejamento, encarregado da palestra) nem terminar de mostrar os slides. Ao jornal "Estado de S.Paulo", deu o tiro fatal: o plano era "rudimentar".
Qual Super-Homem, o herói, o todo-poderoso Palocci se viu diante de "kriptonita": os mercados perceberam que, após aquele episódio, o ministro ficou tão fraco que doravante a atenção devida era a Dilma. O que se viu nos anos seguintes, como consequência em última instância do risco de impeachment, foi a paulatina desfiguração do arcabouço de política econômica adotado pelo país em 1999 e abraçado e reforçado por Lula em 2003.
O que se vê agora? Em entrevista à Cláudia Safatle, do Valor, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, defendeu que a presidente Dilma enfrente o risco de impeachment com reformas, isto é, com as mudanças institucionais que ela nunca quis fazer - dois exemplos: a que estabelece idade mínima para aposentadoria e a que revoga o modelo de exploração de petróleo adotado sob inspiração dela, Dilma Rousseff.
Em 2014, a presidente foi reeleita a bordo de um discurso que, se materializado em ações governamentais, teria jogado o Brasil numa crise ainda mais profunda que a atual, algo difícil de imaginar. Muito relutante, ela decidiu nomear Levy, um dos expoentes do ajuste de 2003-2005, para corrigir parte dos desatinos cometidos nos últimos quatro anos. Contratou, com isso, a ira dos movimentos sindicais e sociais, dos quais depende agora para neutralizar um provável clamor das ruas por sua deposição. Que situação!
Desse enredo, não sairá notícia alvissareira para a economia. E a senha foi dada pelo presidente do PT, Rui Falcão. Crítico ferrenho da política econômica, já tendo defendido, inclusive, a demissão de Joaquim Levy, Falcão apoia a suspensão das hostilidades neste momento, mas avisa aos navegantes: superado o risco de impeachment, "a reivindicação por mudanças pode se afirmar numa nova relação". Em reação a um quadro político adverso, a presidente Dilma, pelas convicções que nunca perdeu e pelos riscos que corre, pode redobrar a aposta populista.
Um registro necessário: em 2005, a economia brasileira estava crescendo, a inflação era cadente, as contas públicas estavam em ordem e o mundo oferecia grandes oportunidades. Em 2015, o PIB caminha para encolher 4%, o IPCA voltou a ter dois dígitos depois de 12 anos e o mundo é um lugar inóspito e incerto.
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