O Globo
É provável que, a esta altura, o Palácio do Planalto já não conte mais nem com os 199 votos que apoiaram a chapa oficial derrotada no plenário da Câmara ontem. À medida que os ventos sopram a favor do impeachment, a tendência é o governismo ir se desidratando. Aliás, o ministro Ricardo Berzoini, o articulador político do governo, foi premonitório quando disse dias atrás que “ou temos votos suficientes para vencer essa parada ou significa que o governo não tem base política para se manter como governo”.
Ele interpretou de maneira clara o espírito do impeachment, que é uma decisão política do Congresso a partir da constatação de crime de responsabilidade cometido pelo presidente da República. Uma espécie de voto de desconfiança do regime presidencialista, mais rigoroso que o do parlamentarismo, pois exige pelo menos a constatação de um crime, não bastando que o governante perca a condição de governar, o que se constata a cada dia.
Ontem ficou demonstrado que, longe das pressões palacianas, a maioria fica contra a presidente Dilma. No momento, ela ainda tem votos suficientes para manter o poder, mas já existe a clara sinalização de que, mesmo que escape da votação, não terá maioria para governar, e seus problemas e, por conseguinte, os do país continuarão os mesmos.
Uma eventual vitória no plenário da Câmara, hipótese que a partir de ontem passa a ser improvável, não fará com que sua popularidade melhore, nem com que seu apoio congressual aumente. Vai ter sempre que pagar chantagens explícitas dos que se mantiverem ao seu redor, piorando ainda mais a gestão governamental.
A votação secreta definida com base no regimento interno da Câmara tem o respaldo dos procedimentos internos para a escolha dos cargos da Mesa Diretora e de toda a direção das comissões da Casa. Como a Constituição não trata da formação da Comissão do impeachment, que é tema de uma lei, não há como dizer que é inconstitucional a escolha por voto secreto, nem cabe comparação com, por exemplo, a votação para confirmar a prisão do senador Delcídio do Amaral.
A Constituição definiu que as votações no Congresso deverão ser abertas, seguindo o critério da publicidade e da transparência, e determinou os casos em que ela deve ser fechada, para proteger o parlamentar: sempre que uma pressão de fora, especialmente dos governantes, possa interferir na escolha.
Votação, como no caso de Delcídio, não tem nada a ver com eleição, que é o que aconteceu ontem na Câmara, com urna eletrônica e tudo; aliás, dez delas foram quebradas pelos governistas na tentativa de invalidar a eleição. É também por ser uma eleição que foi possível apresentar uma chapa alternativa à oficial, pois na lei que trata do assunto está dito que a comissão “será eleita”, sem definir que somente aos líderes caberia a indicação dos membros da Comissão.
A ser assim, a votação no plenário da Câmara seria apenas homologatória da decisão dos líderes, o que não está definido em lei. É pouco provável, portanto, que o Supremo Tribunal Federal anule uma eleição já realizada na Câmara, o que seria uma interferência indevida em outro Poder, já que não se trata de matéria constitucional.
Mas, antes da eleição de ontem, o ministro Luiz Fachin estava inclinado a propor ao plenário um rito para o processo de impeachment, a partir de uma ação do PCdoB que defende a esdrúxula tese de que o presidente da Câmara deveria, antes de aceitar o pedido de impeachment, dar 15 dias para a presidente Dilma se defender. À noite, ele decidiu suspender os trabalhos da Câmara para definir a Comissão até que, na próxima quarta-feira, o plenário do Supremo decida sobre como proceder.
De qualquer maneira, o processo político que começou ontem definirá os rumos do país, e o vento está soprando contra a presidente Dilma.
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