• Vice-presidente de olho na cadeira do titular é coisa comum
- O Globo
Impeachment, Dilma Rousseff, Michel Temer e Eduardo Cunha são ingredientes secundários de um momento muito maior. Vice-presidente de olho na cadeira do titular é coisa comum. Oposição querendo derrubar o governo também é coisa que acontece. O que há de novo e saudável no Brasil de hoje é que pela primeira vez desde o desembarque de Tomé de Souza, em 1549, o braço do Estado está investigando, encarcerando e punindo personagens da oligarquia política e econômica da terra de Santa Cruz, hoje Brasil. Diante dessa novidade, Dilma, Temer e Eduardo Cunha são explosivos asteriscos. Em graus variáveis, estão mais próximos do problema do que de sua solução.
O Supremo Tribunal Federal investiga os presidentes da Câmara e do Senado. Estão na cadeia o dono da maior empreiteira do país, um poderoso banqueiro e o líder do governo no Senado. Dois ex-diretores da Petrobras colaboram com as investigações. Cinquenta e sete pessoas já foram condenadas a penas que somam 680 anos de prisão.
Neste momento inédito, foram para a prisão pessoas que se comportavam como se estivessem acima das leis. Empreiteiros que desqualificavam a Operação Lava-Jato deram-se conta de que a festa acabou e passaram a colaborar com o Ministério Público. Superestimando sua invulnerabilidade, o senador Delcídio do Amaral articulava a fuga de Nestor Cerveró com direito a mesada de R$ 50 mil. Está preso.
Uma parte do Ministério Público e do Judiciário dissociou-se da secular tradição que protegia os maus costumes das oligarquias política e econômica. A briga do Planalto com Eduardo Cunha é apenas um momento explosivo no curso dessa grande mudança. De um lado está a doutora Dilma (“não respeito delator”) eleita por um partido que teve dois presidentes e dois tesoureiros encarcerados. Do outro, o comandante de uma poderosa bancada pluripartidária, apanhado com uma fortuna escondida no banco Julius Baer.
Os petistas dizem-se perseguidos, mas, entre os 68 políticos investigados, seu partido está empatado com o PMDB (ambos com 12 notáveis). A taça ficou com o Partido Progressista, com 31 acusados. O PP tem uma peculiaridade: abriga um plantel de doutores cujas raízes remontam ao tempo da ditadura. Nunca se afastaram do poder. Símbolo dessa grei é Paulo Maluf. Olhando-se para as empreiteiras que tiveram executivos encarcerados chega-se a empresas poderosas desde a metade do século passado.
Ferida, a oligarquia está atemorizada. É comum ouvir-se a pergunta: “Onde é que isso vai parar?” Em geral, ela significa outra coisa: “Será que vai chegar a mim?” Também é frequente a advertência: na Itália, a Operação Mãos Limpas desaguou em nove anos de poder de Silvio Berlusconi com suas bandalheiras. Novamente, a frase tem outro significado: “É melhor deixar tudo como está.” A Mãos Limpas italiana obrigou a oligarquia italiana a mudar de modos. Berlusconi perdeu os direitos políticos e a batalha para não pagar na cadeia os 11 anos a que está condenado. Matteo Renzi, o atual primeiro-ministro da Itália, não tem as ligações perigosas dos cardeais da extinta democracia cristã, nem as traficâncias da última geração de políticos socialistas. A “Mani Pulite” não transformou a Itália numa Nova Zelândia, mas tornou mais arriscado o ofício de roubar.
O Brasil teve muitos sacolejos, mas nunca a oligarquia se viu ameaçada nos seus métodos. Passou por sustos, mas no conjunto sempre saiu invicta. A ameaça da Lava-Jato não é ideológica, muito menos política, é apenas a afirmação de um braço do Estado para que as leis sejam cumpridas. Corrupção passou a dar cadeia, o medo da cadeia gerou a colaboração, e a cada colaborador ampliou e fortaleceu as investigações.
Dilma pode ou não continuar na Presidência. Para a oligarquia ameaçada, isso não tem importância. O que se precisa é quebrar os ossos de parte do Ministério Público e de parte do Judiciário. Está cada vez mais difícil.
Os HDs de Delcídio
Se Delcídio do Amaral rodar sua memória para o Ministério Publico, a Lava-Jato chegará ainda mais perto de Lula.
Nosso Guia deve torcer para que o rancor de Delcídio para com ele seja menor do que aquele que exibiu em relação à doutora Dilma no último encontro que teve com o senador.
Dilma Debret
O fotógrafo Ueslei Marcelino captou a doutora Dilma num momento Debret ao caminhar nos jardins do Palácio da Alvorada a caminho de um helicóptero. Ela ia à frente de um grupo de quatro cidadãos, todos com roupas escuras e em fila indiana. O primeiro protegia-a com um guarda-chuva aberto. Já o quarto carregava um guarda-chuva fechado. O segundo tinha consigo uma pequena sacola de papel.
Na sua famosa gravura, o pintor Jean Baptiste Debret retratou um um fidalgo do Rio de Janeiro seguido por uma fila de dez pessoas. Provavelmente iam para alguma cerimônia.
No tempo em que o Brasil tinha imperador, era comum que D. Pedro II carregasse sua valise.
Dupla covardia
A Universidade Federal do Rio de Janeiro foi covarde pela segunda vez ao cassar o título de doutor honoris causa que deu ao general Emílio Médici. Foi covarde pela primeira vez quando concedeu-lhe o título.
Seria mais didático inaugurar uma placa na sala do seu Conselho Universitário dizendo o seguinte:
“Sendo reitor desta universidade o professor Djacir Menezes, nesta sala, em 1972, a UFRJ concedeu o título de doutor honoris causa ao presidente Emílio Médici, em cujo governo (1969-1974) foram assassinados 24 estudantes e dois professores da Casa.”
Cassar títulos e condecorações foi uma das primeira violências da ditadura, já em 1964.
Risco do Ebola
Se a doutora Dilma for deposta pelo Congresso, a Presidência do Brasil será um cargo tão arriscado como a sobrevivência das pessoas contaminadas pelo vírus Ebola.
A taxa de mortalidade do Ebola está em 53%. Desde 1990 o Brasil elegeu quatro presidentes (Collor, FHC, Lula e Dilma). Se Dilma for tirada do cargo, a sobrevivência da espécie ficará em 50%.
Para quem tem saudades dos governos militares, a taxa de letalidade institucional da ditadura foi de 60%. Dos cinco generais do período, três ficaram na cadeira subvertendo a ordem constitucional (Castello com o Ato Institucional nº 2; Costa e Silva com o AI-5, assinado há exatos 47 anos; e Geisel com o Pacote de Abril). Isso e mais a deposição do vice-presidente Pedro Aleixo em 1969, quando assumiu uma junta militar.
Generosidade
A carta de Michel Temer era endereçada a “Sua Excelência a Senhora Doutora Dilma Rousseff.”
O vice-presidente é um homem gentil, pouco dado a ironias. A concessão do título acadêmico foi o seu momento de maior generosidade.
Temer aliviou
Numa de suas últimas versões, o documento “Ponte para o futuro” sugeria o afastamento da doutora Dilma.
Temer abrandou o texto.
A vida do vice
Saudade de Stanislaw Ponte Preta, o genial colunista criado por Sérgio Porto.
Segundo ele, a função de um vice-presidente era a de acordar mais cedo para passar mais tempo sem fazer nada.
Tiririca errou
No início da tarde de terça-feira, o deputado Tiririca chegou à lanchonete da Câmara e proclamou:
“Eu já avisei, pior do que tá, não fica”.
Foi aplaudido, mas errou. Pouco depois começaram as pancadarias.
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