Senado aprova projeto de lei que prevê suspensão por 3 anos nas dívidas de estados em pior situação
O Senado aprovou ontem a criação de um regime de recuperação fiscal para os estados. A medida prevê que os de pior situação financeira, como Rio, Minas e Rio Grande do Sul, possam suspender o pagamento de suas dívidas com a União por 36 meses. No caso do Rio, isso poderá representar um alívio de cerca de R$ 14 bilhões. Em troca, eles terão de adotar duras medidas de ajuste fiscal e serão incentivados a transferir para a União ativos que possam ser privatizados e, assim, abaterem parte de suas dívidas. A Cedae deve fazer parte dessa negociação.
Governo do Rio deve ter alívio de R$ 14 bi
Senado aprova projeto para recuperação de estados. Cedae pode ser transferida à União para abater dívida
Martha Beck, Cristiane Jungblut, Bárbara Nascimento, Glauce Cavalcanti e Danielle Mogueira - O Globo
-BRASÍLIA E RIO- A Cedae será moeda de troca na renegociação da dívida do governo fluminense com a União. O repasse da companhia de saneamento ao governo federal é uma exigência para que o pagamento da dívida seja suspenso por 36 meses, segundo fontes a par das conversas. Isso pode significar um alívio de R$ 14,1 bilhões aos cofres públicos do Rio de Janeiro, segundo dados da Secretaria estadual de Fazenda. A ideia do governo federal seria transferir a estatal à iniciativa privada e abater do débito o valor levantado com a operação. Não há consenso, porém, sobre a fatia a ser concedida ou privatizada: de um mínimo de 49% à totalidade da empresa.
O governo federal não está estendendo a mão apenas ao Rio de Janeiro. A suspensão do pagamento da dívida com a União por 36 meses, prorrogáveis por mais 36, seria concedida aos estados em pior situação financeira. Para ter direito a esse benefício, os governadores terão de comprovar quadro de insolvência e ingressar no chamado Regime de Recuperação Fiscal. Conforme antecipou O GLOBO no último sábado, a ideia do novo regime é ajudar os estados a reequilibrarem suas finanças em troca de duras contrapartidas, como fixar teto para gastos e suspender reajustes ao funcionalismo.
Diante do drama fiscal de locais como Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, que estão adiando pagamento dos servidores, o governo negociou com o Congresso votação rápida do programa de Recuperação Fiscal. Ele foi incluído no projeto de lei que trata do alongamento das dívidas de estados com a União por 20 anos. O texto, relatado pelo senador Armando Monteiro (PTB-PE), foi aprovado ontem em plenário. Os governadores do Rio, Luiz Fernando Pezão, e do Rio Grande do Sul, José Ivo Sartori, trabalharam na costura do programa e acompanharam a votação no Senado. O texto estava previsto para ir à votação no plenário da Câmara ainda ontem à noite.
— Pôr as ações da Cedae nas mãos do governo federal é condição para aprovação do projeto. A partir daí, o governo decidiria como conceder à iniciativa privada. O projeto passaria pelo BNDES obrigatoriamente — disse uma fonte.
IMPASSE NA CONCESSÃO
O governo do Estado do Rio aderiu ao Programa de Parceria de Investimentos (PPI) do governo federal, com projeto para saneamento básico coordenado pelo BNDES. O banco propôs a concessão de toda a área atendida pela Cedae, mas o governo acabou tocando um projeto próprio, de conceder apenas em 11 dos 64 municípios atendidos pela estatal. Pezão, que sempre se opôs à concessão total da Cedae, evitou comentar a possibilidade de privatização da empresa:
— O projeto acabou de ser aprovado no Senado e ainda será votado na Câmara. Temos que aguardar.
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, qualifica o projeto como uma forma de os estados entrarem em recuperação judicial, restaurando suas condições fiscais:
— O projeto vai permitir que o estado, nesse período, interrompa o pagamento das suas dívidas. Mas, por outro lado, ele assume uma série de obrigações. O estado tem que entrar num processo sistemático de redução de despesas.
Mais tarde, ao participar de um seminário, o ministro citou que o Rio é um forte candidato:
— É um projeto sério e que será aplicado apenas aos estados que, de fato, estão em situação de insolvência. Tem um estado que já demonstrou interesse e claramente é elegível a isso, que é o Rio de Janeiro.
Segundo técnicos, no caso de Minas, a Cemig seria uma candidata a ser transferida para a União. Técnicos da equipe econômica dizem que a suspensão dos pagamentos pode provocar um impacto negativo temporário sobre as contas públicas de 2017 — uma vez que os estados contribuem para a meta fiscal do setor público consolidado. Mas isso será corrigido ao longo do tempo, pois os governos regionais passarão de um quadro de insolvência para o equilíbrio de suas finanças.
Para poder aderir, os governadores precisam atender a alguns critérios: ter encerrado o exercício anterior com receita corrente menor que a soma das despesas correntes, com receita corrente líquida menor que a dívida consolidada e com um volume de despesas maior que a disponibilidade de caixa de recursos não vinculados. Eles também precisam se comprometer a passar nas assembleias legislativas leis que incluam a criação de um programa de desestatização e reforma do Estado, além do aumento da alíquota da contribuição previdenciária de servidores ativos, inativos e pensionistas, de 11% para 14%. Também será preciso reduzir incentivos tributários e reajustar impostos.
No novo regime também ficará proibido conceder qualquer reajuste, criar cargos ou funções que impliquem aumento de gastos e criar despesas de caráter obrigatório continuado. Além disso, será preciso adotar um limite para o aumento de despesas em termos semelhantes ao da proposta de emenda constitucional (PEC) do teto. Os governadores não poderão elevar os gastos acima do IPCA ou da variação da receita corrente líquida, o que for menor.
AVAL DO TESOURO
Além de suspender temporariamente o pagamento das dívidas, o governo federal vai permitir que os estados recebam aval do Tesouro para empréstimos, desde que eles sejam destinados a alguns propósitos específicos: financiamentos de programas de desligamento voluntário de pessoal, auditoria do sistema de processamento da folha de pagamento de ativos e inativos e reestruturação de dívidas junto ao sistema financeiro nacional e instituições multilaterais.
Quem descumprir alguma regra do regime será imediatamente desenquadrado e terá de voltar a recolher imediatamente os valores que ficaram suspensos. O Tesouro Nacional fará relatórios periódicos sobre os estados que estiverem no novo regime.
Colaborou Renan Xavier, estagiário, sob a supervisão de Martha Beck
Nenhum comentário:
Postar um comentário