- Valor Econômico
Governo se apresentou fraco nos primeiros 'rounds'
Na luta pela aprovação da reforma da Previdência (PEC 287), o governo compareceu fraco nos primeiros rounds. Não está claro e evidente para a opinião pública que há déficit e que o rombo é crescente. Se nada for feito, em 2026 a despesa com o pagamento de benefícios aos trabalhadores do setor privado (RGPS), ao funcionalismo público (RPPS) e aos deficientes e idosos extremamente pobres (Loas) consumirá 82% do gasto total, definhando, assim, todo os demais programas do governo explicitados no orçamento. Hoje a Previdência representa 55% do gasto total.
Sem a reforma, em alguns anos "não haverá Estado" por absoluta falta de dinheiro, alerta o secretário adjunto do Planejamento, Rodrigo Cota. Em 2031 todo o orçamento da União estaria destinado à Previdência Social.
Com a aprovação da PEC 287, a trajetória de aumento continuará a ocorrer, mas de forma mais suave. Segundo os estudos oficiais, a despesa previdenciária nesse caso passaria dos atuais 55% para 66% do total em 2026. Ou seja, a reforma não equilibra o sistema previdenciário. Ela estabiliza o déficit.
É com preocupação frente ao apelo do discurso de oposição à reforma que o Executivo tenta agir.
Contas são feitas e refeitas para provar que cálculos alternativos, que apuram superávit na Previdência, são ilusórios e não ficam em pé na primeira checagem metodológica.
O estudo da Anfip (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil), que circula nas redes sociais, tem sido usado com frequência nos argumentos da oposição. A contabilidade alternativa, porém, tem seu próprio método. Ela subestima a despesa - não leva em conta, por exemplo, os gastos com a aposentadoria do funcionalismo público que carrega um déficit de mais de R$ 77 bilhões, dentre outros. E infla as receitas com recursos da DRU (Desvinculação de Receitas da União), uma emenda constitucional de 1994 que libera, atualmente, 30% das receitas vinculadas para gastos discricionários, e com recursos do FAT (hoje repassados ao BNDES), dentre outros, como destaca relatório da Instituição Fiscal Independente (IFI).
O fato é que a Previdência tem déficit, como sustenta o governo, e é a despesa que mais cresce no orçamento. Só o crescimento vegetativo já eleva esse gasto, na média, em 3,8% ao ano.
Estudo feito pelo Ministério do Planejamento mostra que de 2011 a 2016 o gasto com a previdência urbana aumentou 27,73% em valores reais (deflacionados pelo IPCA). Era de R$ 315,9 bilhões e passou para R$ 403,6 bilhões. As aposentadorias pagas ao trabalhador rural saltaram de R$ 88,2 bilhões para R$ 113,3 bilhões em igual período, com aumento real de 23,17%. O regime geral, que atende a mais de 30 milhões de beneficiários, no ano passado registrou déficit de R$ 149,7 bilhoes.
Os aposentados e pensionistas do setor público federal representam cerca de 10% do gasto primário. Para esse um milhão de servidores civis e militares o aumento entre 2011 e 2016 foi de 0,64% em valores reais e o déficit, em 2016, chegou a R$ 77,2 bilhões. Os benefícios de prestação continuada (como a Loas, lei orgânica de assistência social) tiveram aumento de 37,6%, saindo de R$ 25,2 bilhões para R$ 49 bilhões.
Em síntese, os dados oficiais apontam que o RGPS e o RPPS abocanham metade da despesa total anual. Acrescentando a Loas, que confere um salário mínimo pessoas a deficientes e idosos muito pobres, e a área da saúde chega-se ao conceito de seguridade social, que responde por 63% do gasto total. Se forem adicionados o abono salarial, seguro desemprego e assistência social (inclusive Bolsa Família), o percentual do orçamento comprometido com gastos sociais é de 70%. É de 5% a parcela de livre administração do orçamento pelo governo.
Não há dúvida sobre o caráter deficitário da previdência e da seguridade social. Mas há muitos questionamentos sobre a equidade de tratamento da PEC 287 entre os trabalhadores do setor privado e do setor público, sobretudo dos militares que ficaram fora do alcance da proposta. O governo assegura, porém, que os militares também passarão por uma reforma já em negociação.
No Congresso, as resistências parecem claras. O governo terá dificuldades para convencer os parlamentares a aprovar as duras regras de transição, a idade mínima para o trabalhador rural e o aumento da idade dos muito pobres para recebimento do benefício de prestação continuada (Loas).
Para a gestão Temer uma derrota na essência da reforma da Previdência - já precificada pelos mercados - pode ser mais demolidora do que os danos da Lava Jato. Sem ela não terá havido reforma alguma.
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