- Valor Econômico
Ou o sistema "U" se entende ou não haverá acordo
Passados três anos das primeiras manifestações de interesse das empresas investigadas pela Lava-Jato em negociar acordos de leniência, não há, até hoje, um que esteja assinado por todos os envolvidos e funcionando em sua plenitude. E dificilmente esses processos vão avançar se os quatro órgãos públicos responsáveis continuarem atuando isoladamente. São eles o Ministério Público da União (MPU), o Tribunal de Contas da União (TCU), a Controladoria Geral da União (CGU) e a Advocacia Geral da União (AGU).
Até o momento foram fechados acordos da Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Odebrecht com o Ministério Público. Cada um com um critério distinto para o cálculo dos danos ao erário.
As negociações foram rápidas, mas não resolvem o ressarcimento aos cofres públicos nem garantem a idoneidade das empresas.
Os entendimentos conduzidos pelo MP no caso da holding J&F, controladora da JBS - tanto a delação premiada dos irmãos Joesley e Wesley Batista quanto a costura de um acordo de leniência - chamaram a atenção das demais instituições para esses processos e realçaram o debate sobre a competência do MP para conduzir os acordos.
A multa imputada pela delação foi de R$ 225 milhões, e a proposta de ressarcimento aos cofres públicos, de R$ 11,169 bilhões em um prazo de dez anos, valor que não foi aceito pela companhia. A empresa ofereceu inicialmente R$ 1 bilhão, cifra que ajustou para R$ 4 bilhões. As negociações continuam. Em troca da delação e de uma multa tida como módica, os irmãos Batista obtiveram imunidade total, autorização para morar nos Estados Unidos e continuar no comando da empresa.
"O acordo de leniência não pode se revelar como uma indecência para a sociedade. Ele tem que reparar o dano integral ao erário. Isso é inegociável. Essa é a base da lei anticorrupção", disse Grace Mendonça, ministra chefe da AGU.
"Se não trabalharmos com a premissa da integração nós não avançamos. Ou a lei anticorrupção terá que ser alterada o quanto antes", assinalou ela a esta coluna. Há propostas de reformulação da lei em tramitação no Congresso, para determinar que a leniência deve ser negociada por um colegiado com representantes de cada um dos órgãos do sistema "U". O projeto que tem o deputado Andre Moura (PSC-SE) como relator, porém, está parado desde novembro passado e, agora, em plena crise política o Congresso não resolverá essa questão. Não de imediato.
"Nós mapeamos os procedimentos da leniência e a ideia central era de um colegiado desde o início. Isso reduziria em muito o tempo e a insegurança jurídica porque todos estaríamos de acordo com os passos que antecederam aos acordos. E mais, esse colegiado teria que também acompanhar a execução dos acordos ao longo dos anos", disse Grace.
A ideia de um trabalho integrado foi levada ao MP. Os procuradores, porém, manifestaram a posição de que AGU e CGU, que já estão trabalhando juntas, são comprometidas com o governo.
"O valor está nas instituições e não nas pessoas. Um acordo de leniência sério, com segurança jurídica, precisa necessariamente partir do diálogo das instituições. Vai exigir a atuação da AGU, CGU, TCU e do MP que é o fiscal da lei. Senão estaremos atestando que as instituições estão falidas e isso é péssimo para o Estado de Direito", rebate ela.
"Nosso esforço é para dar celeridade. Hoje o que há é um fazendo o seu acordo aqui e excluindo os demais. Isso leva os órgãos que não conhecem as balizas utilizadas pelo outro a dizerem que o acordo não vale para eles. Portanto, precisamos dialogar. A premissa do isolamento não vai construir uma política segura", reitera. Cada instituição tem seu papel estabelecido por lei e a lei diz que quem tem competência para celebrar o acordo é a CGU. Enquanto prevalece a disputa entre os quatro as empresas definham e os empregos desaparecem.
"O poder publico não quer que as empresas fechem e que o cidadão perca seu emprego. Alí tem a vida, tem o salário, o pão de cada dia por trás. Essa balança precisa chegar em um equilibrio que pressupõe não lesar o que é publico, preservar a empresa e os empregos", atesta a ministra. Quando a AGU defende o ressarcimento integral do dano causado pelos atos investigados ela o faz, garante, em uma perspectiva de manutenção da empresa e dos empregos.
No caso JBS, por exemplo, não se sabe como os procuradores chegaram ao valor do ressarcimento de R$ 11,169 bilhões. Para um faturamento anual de R$ 170 bilhões, não está claro qual o cálculo que foi feito para apurar esse valor. Grace defende, também, uma apuração "exemplar" da eventual manipulação do mercado de câmbio e de ações que a J&F teria feito nos dias que antecederam a divulgação do teor das delações. Esta é uma tarefa a cargo da CVM.
Apesar de pregar o diálogo e o trabalho conjunto dos quatro órgãos envolvidos nos acordos de leniência, a ministra admite que o caminho mais efetivo será a mudança da lei. O ministro da Transparência, Torquato Jardim, também já se manifestou a esse respeito quando considerou a lei "ruim".
Hoje os procuradores sentam com o delator em uma perspectiva criminal e desdobram o processo para um acordo de leniência. Já está provado que essa atitude não inibirá a atuação dos demais. Não há como eles se vincularem ao que não negociaram e nem têm conhecimento dos termos que orientaram a negociação.
Enquanto isso, as empresas continuam em um "limbo", sem poder contratar junto ao setor público e sem um atestado de idoneidade.
Será preciso "maturidade institucional", conforme disse a ministra da AGU, para vencer esse capítulo de forma a estabelecer um rito em que os representantes de cada um desses órgãos participem das negociações desde o seu início, tendo como princípio que o acordo de leniência não pode ser para as empresas um atestado de que o crime compensou.
A dimensão da corrupção praticada pelos corruptores é amazônica e as dificuldades de um entendimento entre as instituições encarregadas de puni-los só mostra que o país ainda está distante de uma política séria que imponha marcas seguras aos acordos de leniência.
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