- Valor Econômico
Candidatura depende dos que têm medo da volta do PT e de Lula
João Doria declarou que a 'decisão sobre uma candidatura parte do povo'. Manifestou-se logo após o governador Geraldo Alckmin afirmar o desejo de querer ser "um presidente para o povo brasileiro". O prefeito de São Paulo não poderia ter escolhido melhor ocasião para dizer ao que veio e o que o move na política. A ambição falou mais alto que a gratidão. Irascível, convocou o povo à luta contra seu padrinho desde Paris.
Uma coisa é certa, a decisão quanto a quem representará o tucanato em 2018 não passará nem perto do povo. Mesmo que submetida a uma prévia, Doria o sabe por experiência própria, o 'povo' chamado a votar nestas ocasiões emerge não se sabe bem de onde e segue o comando dos caciques que os fabricam. Foi assim que derrotou Andrea Matarazzo e Ricardo Tripoli para ser o candidato do PSDB à Prefeitura em São Paulo.
Por isto mesmo, a se crer na lógica, Geraldo deve bater João na disputa interna do partido, ainda que o comportamento recente dos líderes tucanos indique que qualquer previsão baseada na razão seja temerária. Assim, é apenas razoável supor que se for candidato à Presidência, Doria terá que abandonar o partido que o acolheu e o padrinho que o pôs na política. O 'aprendiz' de político precisa, portanto, conquistar novos padrinhos em siglas há muito ausentes da corrida presidencial, como o PMDB e o DEM.
Para além dos caciques que controlam estes partidos, Doria terá que convencer outro 'povo', o que pode financiá-lo. Tão certo como Vicente Cândido (PT-SP) acompanhou Michel Temer em sua excursão à China, pode-se inferir que a campanha de 2018 não será turbinada com recursos públicos. Tesoureiros das campanhas serão obrigados a encontrar pessoas físicas dispostas a investir em candidaturas. Conforme sua prestação de contas, Doria foi o principal doador de sua bem sucedida candidatura à Prefeitura de São Paulo. Não é provável que os anos de trabalho, por cedo que acorde e tarde que durma, tenham lhe garantido os fundos necessários para bancar seu voo em direção à Brasília. Sem apoio do 'povo' que tem dinheiro, a sua candidatura à Presidência não decola.
Em resumo, para que Doria complete sua "operação candidatura", depende do 'povo' que controla as convenções partidárias e o dinheiro. A declaração de Doria em Paris indica sua disposição de contar com este povo. Fica por saber qual receptividade terá seu convite.
Para muitos, a opção real não seria entre Geraldo e João, mas sobre quem teria mais condições de derrotar Lula. Esta parece ser a preocupação maior entre os que encarnam a racionalidade econômica e suas opções políticas. Em agosto deste ano, entrevistado pelo caderno 'Mercado' da "Folha de S. Paulo", Arminio Fraga declarou que "se Lula for candidato, vai voltar ao mesmo padrão de mentiras e promessas de antes. Ele declarou outro dia que nunca o Brasil precisou tanto do PT quanto hoje. Para quê? Para quebrar de novo?" As palavras finais resumem o que lhe passa pela cabeça: "Quando penso nos oito anos de governo Fernando Henrique Cardoso, mesmo o início do governo Lula, que foi uma surpresa positiva, acho que foi um sonho. O normal não é aquilo, é o que está aí agora. O medo é aquilo tenha sido só um acidente. "
A palavra-chave é esta: medo. Mas medo do quê? Ou antes, no que se prefere acreditar para afastar o medo? Nesta mesma entrevista, Arminio, referindo-se ao PSDB, declarou: "Não estou muito entusiasmado com o que estou vendo. O PSDB está se enrolando todo." Arminio já havia manifestado o mesmo descrédito para com os tucanos em novembro de 2015, em entrevista ao mesmo caderno 'Mercado', quando o impedimento de Dilma Rousseff entrara em pauta. O ex-presidente do Banco Central reservou seu otimismo para o PMDB e seu recém veiculado manifesto-programa 'Ponte para o Futuro': "Precisa surgir um grupo no poder com uma visão de longo prazo. Pelo menos existe esse debate no Brasil. A mudança no PMDB, em particular, sugere que há possibilidade de uma articulação de ideias até no meio político, que em geral opera com um horizonte de tempo mais curto."
Míopes são sempre os outros. Para o mercado, os políticos. Mas acreditar na conversão programática do PMDB não é dar mostras da capacidade de processar informações adequadamente. Somente um marciano poderia acreditar que as fundações da ponte lançada pelo PMDB viriam sem preço superfaturado.
Mas se houve quem se dispusesse a acreditar na conversão do PMDB, não faltarão arautos da defesa do mercado dispostos a apostar em Doria. Para fazê-lo, contudo, é preciso ler de forma enviesada os fatos.
Para temer Lula é preciso desconsiderar o que se sabe sobre seu primeiro mandato, tomando, como faz Arminio em sua entrevista, como parte de um sonho. Porém, como esclarece Marcos Lisboa em debate com Fernando Haddad nas páginas da "Piauí", a experiência foi real e radical: "A política econômica do primeiro Lula talvez tenha sido a mais conservadora da República desde pelo menos 1950: afinal ela foi fiscalmente restritiva, monetariamente ortodoxa, e acompanhada de reformas para melhorar o ambiente de negócios." Lisboa fala de cátedra, porque foi o responsável direto por boa parte das reformas que cita para contradizer Fernando Haddad, defensor a tese de que Lula teria implementado uma política econômica heterodoxa, com a marca do PT, tão logo tomou posse.
Do outro lado, para alimentar esperanças de que Doria possa ser o representante da livre iniciativa e do mercado, será preciso desconsiderar a falta de cerimônia com que o aprendiz de político se desfaz dos que acreditam tutelá-lo.
Doria sabe que o destino de sua candidatura não caberá ao povo, mas sim aos que se movem pelo medo do retorno do PT e de Lula ao poder. A estes dirigiu sua mensagem e deles aguarda o apoio decisivo. Não faltará quem se disponha a ampará-lo. Resta sabe se entre estes estarão os representantes do mercado.
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Fernando Limongi é professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap.
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