“A alfabetização deveria ser prioridade absoluta”
Para sociólogo, resolver os problemas de gerenciamento das escolas e da formação dos professores levaria a um enorme avanço
- O Globo
Alfabetizar todas as crianças até os seis ou sete anos de idade deveria ser prioridade absoluta no ensino brasileiro. Crianças que leem e escrevem são mais motivadas e podem se dedicar a novos aprendizados. O defensor dessa tese é o sociólogo e cientista político Simon Schwartzman, pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), que aponta dois problemas principais na educação pública: o gerenciamento das escolas e a formação dos professores. Mas discutir a qualidade da educação, diz ele, pressupõe uma situação de normalidade em relação à segurança dos alunos: "Toda essa discussão fica meio abstrata se a escola nem consegue funcionar".
• Como está o Rio em relação à educação pública?
O Rio regrediu muito. Em dois momentos importantes houve a tentativa de reorganizar e recuperar a educação aqui. No município, a gestão de Cláudia Costin (secretária de Educação de 2009 a 2014) fez um esforço de modernização, de organização e várias inovações, uma das quais lidava com o problema dos alunos que passam de ano sem saber ler e escrever com um sistema de reconhecimento de mérito e testes de acompanhamento do desempenho dos alunos. No estado, houve um esforço de reorganização com o Wilson Risolia (secretário de Educação de 2010 a 2014). Ele montou um sistema de administração, de gerência, coisas básicas. Quantos professores tem a rede? Quantos estão em sala de aula e quantos não estão? Houve um esforço de escolher diretores apropriados para as escolas. Essas coisas andaram para trás. No estado há um desmonte geral, o caos absoluto. No estado e no município houve greves, muita resistência dos sindicatos a essas políticas, e os governos acabaram cedendo. Apesar de historicamente o Estado do Rio ser um dos estados mais ricos do país, está pior em matéria de educação.
• Milhares de alunos deixam de ir à escola por falta de segurança. Como debater a qualidade da educação nesse cenário?
A criança que chega aos 10, 11 anos de idade em uma escola precária, que não aprendeu a ler nem escrever, não tem futuro. Essas pessoas não terão trabalho, não têm perspectiva de inserção na sociedade. A pessoa que não tem uma educação secundária dificilmente consegue emprego regular. A questão da segurança transcende a educação. O atual secretário do município, Cesar Benjamin, está fazendo uma nova tentativa de retomar a questão da educação, tem noção clara do que deve ser feito. Em situações normais de segurança, de controle da violência, a preocupação é se a escola está funcionando bem, se a criança está motivada, mas tudo isso fica meio abstrato se a escola nem consegue funcionar.
• O que é preciso para avançar na qualidade da educação?
Fala-se muito do Ceará, que consegue bons resultados em condições econômicas precárias. Sobral é um caso interessante, e não tem mágica. Eles cuidam da escola, se o professor não aparece querem saber por quê. Se a criança não vai à escola, eles vão à casa dela. É um trabalho organizado, sistemático, cuidadoso, ao longo do tempo. A continuidade é importante.
• Por onde começar?
Adotar pedagogias corretas. A alfabetização é crucial. Se a criança chega aos oito ou nove anos de idade analfabeta, dificilmente se recupera. Há uma espécie de consenso, inclusive no governo federal, de que a alfabetização tem que se completar até a 3ª série. Na verdade, tem que ser na 1ª série. A criança com seis, sete anos já tem que dominar a alfabetização para ter condições de acompanhar outras coisas. Se há um bom ambiente, trabalho organizado e metodologia adequada, a criança avança. Na classe média, a alfabetização se dá em casa. Quem não tem esse ambiente precisa de um trabalho mais sistemático, de um professor que sabe o que fazer. Nossas faculdades de Educação não formam para isso.
• Há recursos suficientes no Brasil para a educação?
Sempre se pode usar mais recursos, não está todo mundo nadando em dinheiro. Mas é possível fazer mais com o dinheiro que se tem. Um problema muito comum é o aluno não ter o mesmo professor ao longo do ano, não tem continuidade. A escola não se sente responsável pelo desempenho dos alunos, o diretor frequentemente fica cuidando de papéis, do horário. Em termos gerais, o Brasil gasta em torno de 6% do PIB em educação, é uma porcentagem alta, maior que em muitos países. Mas há o problema de gerência e de formação de professores. São dois grandes temas: o gerenciamento — como manter a escola funcionando, organizada, focada no trabalho, com professores trabalhando sistematicamente —e a formação dos professores. Os cursos de Pedagogia são muito teóricos, têm 300 horas para estudar Sociologia e 30 horas para técnica de alfabetização. Ensinar requer técnica e conteúdo. Se resolver o pacote da formação do professor e o pacote do gerenciamento das escolas teremos um avanço muito grande.
• Quais são suas críticas à formação dos professores?
O professor precisa de algo equivalente à residência médica: o iniciante deve trabalhar sob supervisão. Isso acontece em muitos países, mas não no Brasil. Gasta-se muito com a educação continuada de professores, para recuperá-los. Eles acumulam certificados, fazem um curso aqui e outro ali, uma videoconferência, mas não têm uma formação. Outra coisa importante é a Base Nacional Comum Curricular. É preciso definir com clareza o conteúdo específico que o aluno tem que saber em cada ano. Não pode ser: "ao final de quatro anos o aluno tem que saber isso aqui". Pode-se, assim, treinar o professor de forma mais dirigida, e avaliar seu trabalho.
• Ampliar as escolas em tempo integral é uma saída para melhorar o aprendizado?
Não sei se é tão importante assim. Quatro horas de aula por dia é pouco, mas oito horas eu acho demais. Há duas boas ideias no integral: o professor é contratado para aquela escola, em vez de dar aulas aqui e ali, e a escola pode decidir que não quer aquele professor. Se ele é bom ou ruim, se tem ou não compromisso com a escola, o diretor não pode fazer nada. Mas, no tempo integral, o diretor pode dizer que não o quer.
• A evasão no ensino médio é enorme. Como resolver isso?
O ensino médio está estagnado, só 60% dos jovens de 25 anos no Brasil o concluem. Devia ser 100%. Desses 60%, um terço vai à universidade, os outros, não. De cada cem jovens, 40 não completam o ensino médio e, dos 60 que completam, 20 vão para a universidade. E os 80 que não vão? O ensino médio está todo voltado ao Enem, que tem currículo pesado, dos anos 1940, todos têm que aprender tudo. É uma preparação acadêmica para a universidade. O aluno que chega ao ensino médio não sabe a matemática que deveria saber, a maioria não lê fluentemente e aí joga-se o currículo acadêmico tradicional. É preciso recuperar uma formação mais profissional, técnica, para essa população que não vai à universidade, e lhe dar a possibilidade de se concentrar em suas áreas de interesse. Como isso será feito não está claro. Mas esse currículo dos anos 1940 está posto em questão.
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