A Constituição de 1988 coloca os partidos políticos entre as instituições fundamentais para a organização do Estado, estabelecendo que a filiação partidária é condição imprescindível para o exercício de mandatos eletivos. No entanto, a realidade das legendas nacionais deixa ainda muito a desejar. Com a experiência de quem participa intensamente da vida político-partidária brasileira desde a década de 80, o presidente Michel Temer afirmou, em entrevista dada no início do ano, que “o Brasil não tem partidos, só siglas”.
Entre as graves fragilidades constatadas nas legendas, encontra-se a falta de uma mínima renovação de seus quadros. O recente estudo Oxigenação dos Partidos Políticos: Executivas e Diretórios Nacionais, do Movimento Transparência Partidária, revelou uma baixíssima rotatividade entre as lideranças partidárias. Após analisar a composição das Executivas Nacionais dos partidos ao longo dos últimos dez anos, constatou-se um porcentual de mudança de apenas 24%.
Há partidos em que não houve renovação entre 2007 e 2017, como o Partido Progressista (PP), o Partido da Causa Operária (PCO) e o Partido Republicano Progressista (PRP). Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao longo dos últimos dez anos, esses três partidos não realizaram eleições internas.
O estudo mostra que a ocorrência de eleições não basta para assegurar a renovação das lideranças partidárias. Nos últimos dez anos, o PSDB fez nove eleições de cúpula e mesmo assim sua taxa de renovação na Executiva Nacional foi de 31% e no Diretório Nacional, de 29%. Tais números indicam a existência, no atual sistema partidário, de entraves reais que dificultam o surgimento de novas lideranças. Não é apenas uma questão de oferecer oportunidade para a liberdade de escolha dos associados.
O diagnóstico também é corroborado pelos partidos que, em tese, aparecem bem no estudo, com altas taxas de mudanças em sua Executiva Nacional e no Diretório Nacional. O partido com maior taxa de mudança é o PT, com 68% de renovação na Executiva Nacional e 59% no Diretório Nacional. Ora, a rotatividade petista, mais do que expressar uma vitalidade partidária, indica os sérios problemas na Justiça que o partido de Lula e seus líderes enfrentaram nos últimos dez anos, especialmente com os processos oriundos do mensalão e do petrolão. Por mais que tenha mudado a composição de seus órgãos decisórios, sabe-se bem quem continua mandando no PT – exatamente a mesma pessoa que já mandava em 1987, em 1997 e em 2007.
Deve-se notar ainda que as pesquisas quantitativas revelam apenas uma parte do problema. O que os porcentuais indicam como mudança é muitas vezes tão somente uma sucessão hereditária, que se perpetua desde os primórdios da República, quiçá do Império. Em grande parte dos Estados, a política é dominada pelas mesmas famílias há décadas, ocorrendo apenas a atualização periódica das gerações.
É preciso uma renovação profunda dos partidos, que não podem ser simples instância burocrática e tampouco redutos feudais de algumas estirpes. A esfera partidária é elemento necessário de toda democracia, como espaço de debate, aprimoramento, difusão e aplicação efetiva das ideias e propostas que circulam numa sociedade.
O zelo com a democracia deve conduzir, portanto, ao cuidado com os partidos. Há muito o que reformar no sistema partidário, e as legendas ainda estão longe de cumprirem a contento o seu papel constitucional. O reconhecimento dessa realidade tão imperfeita não pode levar, porém, a um desprezo pelas legendas, como se fossem organizações contrárias, por sua própria natureza, ao interesse público. Na batalha para aprimorar a vida institucional brasileira, uma tarefa urgente é o resgate do sentido original dos partidos políticos, de organização viva de pessoas em torno de ideias e projetos comuns. E se são organizações vivas, nelas necessariamente deve haver renovação e mudança. Em geral, imobilismo é sinal de morte.
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