Candidatura de Marina tem o mérito de escapar da polarização, mas insiste em respostas vagas
Mantendo-se competitiva nas pesquisas eleitorais, apesar de sua relativa ausência do debate público, a ex-senadora Marina Silva (Rede) se mostra, como nunca, uma figura paradoxal entre os candidatos à Presidência da República.
Como pouquíssimos líderes partidários, pode ostentar um currículo sem suspeitas do ponto de vista ético; afastada do PT desde 2009, realocou-se rapidamente em algum lugar ao centro do espectro ideológico, beneficiando-se com isso de uma confortável distância das polarizações que hoje dilaceram a disputa pelo poder no país.
Seria, portanto, uma candidata capaz de encarnar as aspirações em favor da renovação dos costumes eleitorais e administrativos.
Ao mesmo tempo, contudo, ela parece mais e mais representar uma das mais exasperantes características do político tradicional em vésperas de pleito.
Sua entrevista à Folha, cuja íntegra pode ser consultada na internet, ilustra à perfeição aquele velho hábito de não se comprometer com nada de palpável, repetindo rigidamente fórmulas vazias, como que memorizadas a custo, a despeito do que lhe perguntem os jornalistas.
Declara, por exemplo, não estar à esquerda nem à direita, mas “à frente”. Sim, pode-se aceitar a caracterização, desde que acompanhada de alguma especificidade. À frente do quê? O que pretende deixar para trás, e para onde caminha?
Sem dúvida, Marina representa expectativas de superar uma política fisiológica, fundada no aparelhamento da máquina estatal e na corrupção. Mas como irá governar, pergunta-se, sem forte base partidária no Legislativo?
Sua resposta é pouco mais do que uma fórmula verbal. Ao famigerado “presidencialismo de coalizão”, a candidata apresenta a alternativa de um “presidencialismo de proposição” —pelo qual a sustentação parlamentar se faria em torno de iniciativas programáticas.
Quais? A candidata nada especifica. Condena a reforma trabalhista do governo Michel Temer (MDB), sem apresentar a sua. Foi ainda mais vaga no tocante a possíveis ajustes na Previdência —cuja necessidade reconhece, advertindo todavia para a conveniência de um amplo diálogo com todos os setores antes de maior definição.
Obviamente, o diálogo é importante. Ocorre que o próprio debate eleitoral é o instrumento mais transparente e legítimo para colocá-lo em prática. Assim deve ser com a reforma política, a tributária, o redesenho do Estado.
No mais cansativo estilo do político tradicional, Marina Silva procura agradar a todos os lados. Pede votos pelo que é, foi ou será, e não pelo que pretende fazer.
Decerto que a campanha nem mesmo começou. Mas o “presidencialismo de proposição”, para se tornar algo mais do que automatismo retórico, precisa de algo básico: as proposições que a candidata se esquiva de fazer.
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