- O Estado de S.Paulo
Propostas revelam que assessores não têm ideia do terreno onde estão pisando
O debate econômico em torno da reforma tributária se transformou numa verdadeira salada de propostas completamente desconectadas da realidade fiscal brasileira. O experimentalismo do que vem sendo sugerido ficou evidente agora, na reta final da eleição, quando os assessores das campanhas finalmente começaram a detalhar um pouco mais as propostas em busca de mais votos, principalmente da classe média, e também do apoio do setor empresarial e mercado financeiro.
O que se vê, porém, é pouca ou quase nenhuma análise de riscos para a implementação das ideias que começaram a ser colocadas na mesa. Como se fosse possível transformar o caótico sistema tributário num grande laboratório, sem levar em conta o fato de que não há espaço para perda de arrecadação e, na direção oposta, para aumento de impostos.
Para complicar, as “compensações” à perda de arrecadação que vêm sendo sugeridas pelos assessores dos candidatos, como a volta da tributação de lucros e dividendos e o “corte” de renúncias tributárias (como se fosse muito fácil fazer), não passam de uma conta frágil de chegada, na tentativa de mostrar que as propostas são sustentáveis do ponto de vista das contas públicas. Muitas das que surgiram no debate eleitoral, no entanto, revelaram que os assessores não têm a menor ideia do terreno onde estão pisando.
O exemplo mais claro dessa salada tributária é a ideia de elevar para cinco salários mínimos o limite de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). Uma promessa de campanha de alto apelo popular.
Primeiro foi Fernando Haddad, o candidato do PT, que saiu divulgando a proposta, depois copiada pelo time de Paulo Guedes, o coordenador econômico do candidato do PSL, Jair Bolsonaro, primeiro colocado nas pesquisas.
Guedes, que foi enquadrado por Bolsonaro depois de propor a volta da polêmica CPMF, acabou propondo também a elevação do limite de isenção para cincos salários mínimos, na esteira do seu maior opositor.
A medida, porém, tem altíssimo custo fiscal não dimensionado corretamente pelos seus proponentes e que, ao final das contas, acabaria beneficiando também os salários mais altos.
O flerte de Guedes e de seus colaboradores com a CPMF, que lhe custou um desentendimento público com Bolsonaro (que usou o Twitter para negar que pretenda recriar a polêmico imposto sobre movimentação financeira) foi um tiro no pé que acabou gerando uma reação contrária no vale-tudo eleitoral: a proliferação de promessas de redução do imposto a ser pago.
A volta do tributo, que incide em cascata na economia penalizando ainda mais os brasileiros com renda mais baixa, tem enorme rejeição da população e dos empresários. Mas é sempre uma opção que surge para acelerar o ajuste fiscal com aumento da tributação.
A cada tentativa de ressuscitação da CPMF, no entanto, as vozes contrárias sobem de tom porque a contribuição virou o símbolo maior na cabeça dos brasileiros da pesada carga de impostos, hoje em 32,36% do PIB – R$ 2, 12 trilhões ao final de 2017.
Mais uma prova de que está esgotado o espaço para aumento de tributos – sentimento que o próprio Bolsonaro tentou atingir depois da péssima recepção à volta da CPMF apresentada por seu guru ao escrever nas redes sociais a frase “Chega de impostos!”.
É possível que depois de eleito o próximo presidente caia na tentação de propor a CPMF, com a confiança de que o capital político de início de mandato lhe dê os votos necessários para a sua aprovação no Congresso. A Receita Federal é, inclusive, uma defensora da volta do tributo por prazo temporário e com alíquota baixa.
A vontade de implantar a CPMF rendeu até estudos da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda para tentar construir um modelo em que o tributo pudesse ter uma cobrança não cumulativa (dando uma espécie de crédito na cadeia produtiva) para amenizar seus efeitos negativos na economia. Ideia que não foi para a frente devido à característica da própria CPMF de incidir sobre a movimentação financeira.
O mais lamentável na confusão do debate tributário atual é que parecia haver uma convergência dos candidatos à Presidência em torno de uma proposta de reforma na direção de criação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), tributação de lucros e dividendos da pessoa física e do Imposto de Renda (IR) da pessoa jurídica – pontos mais relevantes e que podem ajudar na recuperação da economia.
Só que não. Em se tratando de impostos, o candidato pode ganhar voto prometendo benesses, mas pode perder eleitorado. O problema maior será o dia seguinte da eleição, depois que as contas do governo mostrarem que não dá para cumprir o prometido.
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