- Folha de S. Paulo
Numa manobra imprudente e desnecessária, o comissariado quer chegar ao segundo turno nos seus termos
Num encontro com artistas em São Paulo, Fernando Haddad, disse o seguinte:
"Não tem como se desenvolver do ponto de vista institucional sem passar por alguns partos. (...) As nações que chegaram ao desenvolvimento passaram por momentos tão dramáticos quanto o que nós estamos passando agora".
E acrescentou:
"Se a gente vencer essa etapa, nós vamos olhar para trás e, ao invés de acusar aqueles que querem votar no Bolsonaro e tudo o mais, vamos compreender que é uma parte de um sentimento que se expressou dessa maneira, como uma febre alta, mas que foi importante em determinado momento para a gente pensar que tem uma coisa errada com esse organismo aqui e vamos cuidar dele porque é muito importante para nós".
Trata-se de uma construção na qual a candidatura de Jair Bolsonaro seria uma febre alta, depois da qual nasceria um novo tempo, mas tudo gira em torno de seis palavras: "Se a gente vencer essa etapa". E se não vencer? Teria faltado combinar com Bolsonaro.
O comissariado deve refletir sobre o preço de ir para o segundo turno sem qualquer autocrítica. Afinal, no mesmo encontro, Haddad disse que "não quero repassar os erros de todos os envolvidos, porque são muitos".
Ele não quer, mas o eleitor que tem medo do que chama de "a volta do PT" gostaria que quisesse. Os comissários devem pesar os riscos da teoria do parto. Ela embute a ideia de que o PT irá para o segundo turno nos seus termos, e quem quiser que o siga. Milhões de pessoas votariam em Átila, mas não votam em Bolsonaro.
O que não se sabe é o tamanho do eleitorado que é capaz de votar até em Bolsonaro para evitar o retorno do PT ao Planalto nos termos do comissariado.
Em Minas Gerais e em São Paulo, boa parte do eleitorado tucano migrou para Bolsonaro. Querer levar o centro para o programa do PT e para a retórica de Haddad ameaça sua candidatura e contamina o governo que pode advir de sua vitória.
Em 1984, Tancredo Neves construiu a primeira conciliação da história saída da oposição. Se ele tivesse adotado a estratégia dos comissários de 2018, Paulo Maluf poderia ter sido eleito presidente.
A MARCHA DA INSENSATEZ
Em sua carta aos eleitores, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso pediu que se busque um equilíbrio capaz de deter o que chamou de "marcha da insensatez".
Um segundo turno disputado por Jair Bolsonaro e Fernando Haddad parece inevitável, e os dois candidatos, avaliados a partir de suas posições públicas confirmam o receio de FHC.
Bolsonaro diz que nunca houve ditadura e seu vice pede uma reforma moral que livre o Brasil da preguiça do índio, da malandragem do negro e do 13º salário. Já Haddad nomeou para a tesouraria de sua campanha um companheiro, acusado pela marqueteira Monica Moura de ter negociado um mimo da Odebrecht para sua campanha à prefeitura em 2012. Como eleição é bufê, o freguês poderá ter que escolher entre os pratos da mesa: Bolsonaro ou Haddad.
A carta de FHC permite que se passeie pelas marchas da insensatez. A expressão ganhou popularidade em 1984, quando a historiadora americana Barbara Tuchman publicou o livro "The Age of Folly".
Ela contou quatro episódios da história nos quais a insensatez levou a desastres. Um deles leva a pensar no Brasil de hoje. Seu título é "Os Papas do Renascimento provocam a Secessão protestante - 1479-1530".
Os papas foram seis, alguns deles memoráveis, como Julio 2°, o protetor de Michelangelo, mas todos foram larápios, nepotistas, mais preocupados com o "centrão" dos cardeais do que com o futuro da Igreja.
Distribuíam prebendas, vendiam indulgências e bispados. Não prestaram atenção ao surgimento da imprensa (leia-se internet) e desprezavam as advertências vindas dos cleros da Alemanha e da França.
Um deles deu o barrete cardinalício a dois sobrinhos. Outro nomeou um cardeal de 14 anos. Alexandre 6º, o Borgia, teve sete filhos, elevou a depravação da Santa Sé a níveis nunca vistos e tornou-se o homem mais rico de Roma.
O papado queimou numa fogueira de Florença o dominicano moralista Girolamo Savonarola e não deu ouvidos aos padres que pediam a reforma da Igreja. Naquele mundo de privilégios o fim da corrupção parecia a porta do inferno.
Dezenove anos depois da execução de Savonarola, o monge alemão Martinho Lutero abriu o maior cisma da história da igreja, e hoje o mundo tem 900 milhões de protestantes.
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