- Valor Econômico
Até aqui, FHC só definiu que de Bolsonaro não vai
Num apelo pessoal ao seu amigo Fernando Henrique Cardoso e em carta aberta dirigida a "intelectuais do mundo", Manuel Castells diz que o Brasil está em perigo pela perspectiva de um "fascista, defensor da ditadura militar, misógino, sexista, racista e xenófobo" eleger-se presidente da República.
Na carta aberta do início desta semana, o sociólogo espanhol, a quem o ex-presidente considera, junto com o escritor venezuelano, Moisés Naim, um dos mais atinados pensadores da atualidade, pede que seus leitores, por meio de redes sociais, imprensa e por contatos políticos pressionem os brasileiros para que não apenas repudiem Jair Bolsonaro como votem no acadêmico "respeitado e moderado" Fernando Haddad.
Aceita que o PT perdeu prestígio com a corrupção, mas diz que nenhum intelectual, democrata ou pessoa responsável pode ficar indiferente ao risco: "É um caso de defesa da humanidade porque se o Brasil, país decisivo na América Latina, cair em mãos de um personagem desprezível e perigoso e dos poderes fanáticos que o apoiam, como os irmãos Koch, entre outros, nos precipitará à mais baixa desintegração da ordem moral e social do planeta".
Fernando Henrique sensibilizou-se com a carta, mas não vê como a divisão que o amigo faz do Brasil entre o bem e o mal dê conta das circunstâncias políticas da polarização ou das vicissitudes de um sistema político em desintegração. De Bolsonaro não vai, mas daí a anunciar apoio a Haddad tem uma longa distância. Causa-lhe espécie a camisa de força petista sobre o candidato. Não apenas a proposta de uma constituinte exclusiva e a ausência de uma posição mais crítica à Venezuela como também a ideia de baixar os juros na marra.
O candidato petista começou a acenar para uma frente democrática a partir do primeiro minuto do segundo turno, na noite do domingo. Depois voltou atrás no programa de governo do qual foi coordenador e se distanciou da tomada do poder de José Dirceu. Ao acatar propostas como a convocação de uma constituinte viabilizara-se no PT e firmara militância para chegar sozinho ao primeiro turno, mas delas se tornou refém para a conquista do segundo. As mesmas premissas que fizeram Haddad palatável aos petistas hoje se tornaram obstáculos a que lideranças como Fernando Henrique anunciem apoio formal.
O ex-presidente parece aberto a conversar, ainda que não tenha sido procurado formalmente por Haddad ou por emissários diretos. Gosta de lembrar de episódios em que amigos comuns, seus e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, buscaram reaproximá-los e esbarraram na resistência do último. Atribui parte da responsabilidade pela encruzilhada da sucessão à insistência de Lula com a Presidência mas, ao contrário de articuladores da proposta de o petista trocar a candidatura pela liberdade, não vê como a alternativa teria evitado a prisão de seu sucessor.
Pela primeira vez, o ex-presidente não está otimista com o Brasil. Não tem ideia de como o sistema político, tão desintegrado, reagirá a um eventual governo Bolsonaro. Lamenta que os generais, que a muito custo haviam se enquadrado, possam voltar a governar o Brasil. As reflexões sobre um eventual governo Bolsonaro o remetem, de imediato, às lembranças do autoritarismo que o mandou para o exílio. Teme que a farda, com planos para tudo, da infraestrutura às relações exteriores, tomem gosto novamente pelo poder. Do general Hamilton Mourão ao Augusto Heleno - que goza ainda de mais prestígio nas armas -, não deixaram de se preparar para isso no tempo em que estiveram afastados dos poderes civis.
Fernando Henrique desconhece, por exemplo, os planos das Forças Armadas para o combate ao crime organizado, mas não descarta os riscos de que os vínculos políticos do PSL venham a reforçar os poderes das milícias na guerra cotidiana contra o tráfico.
Um manifesto em defesa da democracia não está descartado, ainda que o ex-presidente não aceite a incumbência de liderar um PSDB em desintegração ou quaisquer outras instâncias da sociedade. Vê com ceticismo as chances de mobilização de setores industriais. Mais do que um apelo pela democracia, como aquele que, no fim da década de 1970, levou os empresários a desmontar o que restava da ditadura, teme que setores industriais se aglutinem em torno de Haddad em busca da renovação de suas prebendas.
O ex-presidente ainda aguarda a formalização dos novos compromissos do candidato do PT para decidir o rumo. Haddad deve fazê-lo em alguns dias, ao anunciar a revisão do programa de governo para formatar a ideia de uma frente democrática, a reunir, além dos tradicionais aliados do PT, nos partidos e nos movimentos sociais, setores empresariais e lideranças políticas.
Fernando Henrique mantém uma boa relação pessoal com o candidato petista, mas, não bastassem todas as demais dificuldades, ainda teme que Haddad, na investida pela ampliação de sua candidatura, custe a se despir do verniz uspiano que o impede de falar a língua do povo com a mesma desenvoltura de Bolsonaro.
A maior dificuldade para viabilizar esta frente, na verdade, é a constatação de que um apelo pela democracia dificilmente teria condições de impedir a vitória do candidato do PSL. A adesão irrestrita ao candidato do PT ainda dificultaria, no pós-eleição, a atuação dos aderentes na seara da pacificação.
Os demais candidatos receberam 26 milhões de votos. Mantidos os percentuais de votos em branco, nulos e abstenção, o candidato do PSL precisaria capturar apenas 4 milhões dessa cesta de votos. Se arrebatar um terço dos votos de Geraldo Alckmin e metade da votação de João Amoêdo, Cabo Daciolo, Henrique Meirelles e Alvaro Dias, pode se dar ao luxo de dispensar todo o eleitorado de Ciro Gomes, Guilherme Boulos e Marina Silva. Venceria com folga. Se o alheamento eleitoral aumentar, ficaria mais fácil ainda.
A primeira pesquisa pós-primeiro turno precisaria mostrar uma velocidade maior de Haddad na conquista de eleitores. Não foi o que trouxe o Datafolha, com os 24% dos votos válidos dos demais candidatos repartidos igualmente entre os dois finalistas.
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