Sem ter definido um programa claro e muito menos sem expô-lo em detalhes durante a campanha eleitoral, o presidente eleito Jair Bolsonaro e sua equipe parecem ainda estar à procura de um. Desconversas e desencontros sobre a reforma da previdência, improvisação na reformulação dos ministérios são sinais ruins. Há tempo para consertar dissonâncias e afinar o coro das vozes do governo. Mas Bolsonaro é o comandante e suas declarações ampliam a cacofonia que tem prevalecido.
Não importa a popularidade de Bolsonaro, seu calendário não difere do de outros presidentes, especialmente em períodos de crise. Se não apresentar resultados e convencer o Congresso a aprovar sua pauta no primeiro ano de governo, se tornará refém de outras agendas fortuitas dos congressistas. Pelo tamanho da crise fiscal, o rol de prioridades é mais ou menos óbvio, mas o presidente eleito não se compromete com muita coisa e, pior, não parece ter pressa. Nisso é seguido pelo responsável pela articulação política, o futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.
A reforma previdenciária é o tema mais discutido do parlamento há dez anos. O presidente Michel Temer, depois de ceder ao longo de um ano de debates, quase conseguiu votar uma proposta desidratada sobre o assunto, mas foi abalroado pelo escândalo da revelação de suas conversas com o empresário Joesley Batista. A economia que seria proporcionada pelo arranjo inicial, era de pouco mais de R$ 800 bilhões em uma década. Com o talho dos congressistas os ganhos foram reduzidos a pouco mais de R$ 400 bilhões.
Bolsonaro, logo após eleito, flertou com a possibilidade de aprovar "alguma coisa" da reforma de Temer ainda no atual governo. Mudou de ideia, embora nunca tenha dito que partes da proposta tinha sua aprovação. Depois, disse que tinha dúvidas até mesmo sobre o polêmico regime de capitalização que o seu futuro super-ministro Paulo Guedes propôs implantar.
As ideias continuam mudando, sem gravitarem em torno de um centro claro e conhecido. Há pouco o presidente eleito insinuou que mesmo uma reforma debilitada como a do governo Temer merecia seu repúdio porque não se pode consertar a previdência "matando o idoso". Perguntado todos os dias sobre o que pretende, Bolsonaro ensaia uma obra em progresso, sem fim à vista. Nesta semana disse que poderia começar a reforma pela idade mínima e afirmou que ela deveria ter dois anos a mais. Como a lei atual não prevê idade mínima, foram palavras ao vento. A surpresa veio com a intenção do presidente eleito, de fatiar a reforma.
Se houver lógica na proposta, faz-se primeiro o que depende de mudança na Constituição, com duas votações com dois terços de aprovação das duas Casas do Congresso, e o resto via projetos de lei, que exigem maioria simples. O risco é a aprovação de alguns pedaços de reforma e rejeição de outros, ou uma discussão do tema ao longo de todo o mandato. É isto que indicam as palavras do coordenador político, Onyx Lorenzoni. "Temos 4 anos para garantir o futuro de nossos filhos e de nossos netos", disse. "Não dá para chegar aterrorizando".
Para completar, Onyx, que foi contra a reforma de Temer, disse que o assunto precisava ser tratado com muita prudência e "bastante transição". Há acordo de posições entre Lorenzoni e Bolsonaro, que contou que pretende pegar parte da proposta de Temer e "colocar nos quatro anos de mandato nosso".
Ontem houve uma nova guinada. O tema previdenciário pode até não ser o mais urgente. "A ordem dos fatores não altera o produto", disse Bolsonaro, apontando que não importa se as privatizações ou a previdência terão a prioridade da pauta do governo.
Ao acenar com o fato de que mesmo uma reforma desfigurada como a de Temer ainda é radical, o futuro presidente amplia as incertezas sobre que tipo de mudanças pretende fazer e a insegurança sobre sua aprovação. Paulo Guedes, pelo visto, conta com a possibilidade de ficar sem a reforma da previdência, ao mencionar uma "trava nominal" quando o teto de gastos estiver prestes a desabar, situação em que sequer seriam corrigidos os benefícios pagos aos aposentados e pensionistas.
As formulações da equipe de Bolsonaro vão na rota do "tudo ao mesmo tempo, agora" e as do presidente eleito não têm foco. Sem prioridades alinhadas no tempo, o novo governo queimará capital político com baixos resultados. A ameaça de insolvência do Estado exige um leque de respostas imediatas. Há tempo para defini-las.
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