quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Maria Cristina Fernandes: A reação parlamentar à República de Chicatiba

- Valor Econômico

Parceria entre Guedes e Moro enfrenta Renan

"Nesses anos todos, a única coisa que aprendi foi que, quando você empossa um presidente eleito - e já empossei 3 presidentes diretamente - ali, naquela hora, quando as instituições estão reunidas, ninguém individualmente, salva ninguém".

A mensagem de Renan Calheiros, que passou a cultivar mais uma afinidade, além do Botafogo e do nome de filho, com o futuro presidente tuiteiro, foi despejada num diversificado lote na noite de segunda-feira - de caneladas no seu provável adversário na disputa pelo comando do Senado, Tasso Jereissati (PSDB-CE), à mensagem cifrada a seu 'irmão' Romero Jucá (MDB-RR) sobre as ameaças do Estado policial.

Mas a mensagem aspeada no alto foi a única em que o senador do MDB de Alagoas se manteve fiel ao estilo. Jair Bolsonaro foi eleito pela maioria mas ninguém será capaz de salvá-lo se as instituições, reunidas, decidirem o contrário. A ameaça de Renan é incompleta porque sua experiência como empossador e cassador de presidentes ainda não contempla um que colocou três generais e um almirante no primeiro escalão, além daquele que encabeça a linha sucessória. Mas não deixa de ser um termômetro do clima que reina no Congresso às vésperas da posse do novo presidente, refletido em sua rendição a uma reforma da Previdência fatiada.

No dia do surto tuiteiro do senador, circulara a informação de que o futuro ministro da Justiça, Sergio Moro, pretendia investigar indícios de que a adesão às rodadas de repatriação de ativos abrigou dinheiro desviado dos cofres públicos. A articulação enfureceu o círculo do senador ainda mais do que a informação de que o general da reserva Guilherme Theophilo iria para o time de Moro. O convite ao ex-candidato tucano ao governo do Ceará é um aceno claro da equipe de transição à postulação de Tasso.

O tuíte irascível de Renan, acusando seu provável adversário de tê-lo mobilizado para votar pela manutenção de subsídios à indústria de refrigerantes, supostamente em benefício dos negócios privados do senador cearense, é parte da campanha de quem se vende como despachante de interesses - alheios.

Foi assim que se mostrou no cordial encontro que teve com o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes. Além de estimulá-lo a enviar para o Congresso uma pauta de reforma do Estado, ampla o suficiente para despertar a animosidade de servidores com poder de barganha, Renan se apresentou como um parlamentar preocupado em viabilizar a pauta federativa, principalmente dos Estados do Norte e do Nordeste, que temem sumir do mapa no governo Bolsonaro.

A maior preocupação de Renan, no entanto, não é com a candidatura Tasso, mas com a de Davi Alcolumbre, cuja eleição daria ao Senado um Severino Cavalcanti às avessas. No governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a eleição do ex-deputado do PP à presidência da Câmara foi parte da armação daquele partido para sequestrar o Executivo. No governo Bolsonaro, a eleição de um aliado como Alcolumbre daria ao presidente eleito o controle do Senado, esvaziando Renan, que dele tem sido sócio, esteja ou não na mesa diretora.

O senador pelo DEM do Amapá abriga como auxiliar de seu gabinete, Denise Veberling, a nova esposa do futuro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Os principais atributos de Alcolumbre, no entanto, são a capacidade de inviabilizar a candidatura do deputado Rodrigo Maia na Câmara, dada a impossibilidade de o DEM acumular as duas Casas, e o potencial para dividir os votos do Norte e Nordeste. Somadas, as duas regiões têm 47 cadeiras no Senado, mais que a metade do plenário. Esta é uma das razões pelas quais, das 14 legislaturas da Nova República, apenas duas não tiveram o comando do representante de uma ou outra região.

O empenho do governo eleito em fazer prevalecer a lógica das bancadas, em detrimento dos partidos, explica a despreocupação em contemplar apenas três legendas (DEM, PSL e MDB) e três Estados (RS, MS e MG) nos cinco ministérios (Casa Civil, Agricultura, Saúde, Cidadania e Turismo) distribuídos a parlamentares, entre os 20 já anunciados.

A disposição em negociar no varejo para fazer dos deputados João Campos (PRB-GO) ou Fabio Ramalho (MDB-MG) o Severino II da Câmara, foi reforçada pela nomeação de dois deputados derrotados para a costura parlamentar ao lado de Onyx Lorenzoni. A parceria que o atual presidente da Câmara fez com o senador Ciro Nogueira (PP-PI) não é exatamente um trampolim para a reeleição. O presidente eleito credita ao senador do PP, partido ao qual estava filiado na eleição de 2014, a armadilha que fez surgir R$ 200 mil em sua conta bancária. provenientes da JBS; via fundo partidário.

A filiação ao PP, a frágil situação jurídica e a intimidade com os meios que alavancaram a popularidade de Eduardo Cunha na Casa, neutralizam o currículo de bolsonarista e desafeto de Renan do deputado Arthur Lira (AL), outro candidato à presidência da Câmara.

O futuro de Bolsonaro e dos caciques partidários depende, em grande parte, da modorrenta disputa pelas duas mesas - responsável não apenas pela pauta de votações como pelas convocações dos ministros e abertura de CPIs. São as principais armas de que os parlamentares dispõem para enfrentar a pauta Guedes/Moro.

A transferência do Coaf da Fazenda para a Justiça mostrou que a parceria está afinada com a escala em Curitiba para se chegar à periferia de Chicago. Mas os donatários do governo parlamentar cujo mandato está por terminar, ainda podem lançar mão do que Renan, em sua febre tuiteira, chamou de 'instituições reunidas'.

O ministro Gilmar Mendes já deu sua colaboração avocando o habeas corpus de Lula para pautar no momento que julgar mais adequado ao embate com Moro. E o TCU tem um parecer do ministro Benjamin Zymler, aprovado por unanimidade no plenário, que obriga o consórcio Odebrecht / OAS, a ressarcir o erário em R$ 2 bi, além do acordo de leniência já firmado, por superfaturamento na refinaria Abreu e Lima. No limite, a queda de braço, pressionaria o futuro governo Bolsonaro a propor ao Congresso uma anistia das empresas da Lava-Jato, porta aberta para o Congresso arrancar da República de Chicatiba, aquela que impõe o rigor fiscal de Chicago à luz das implacáveis masmorras de Curitiba, sua própria anistia.

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