Não se resolverá o problema das contas públicas vendendo estatais, mas enfrentando a questão do gasto, advertiu o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, em café da manhã com jornalistas, em Brasília. Simples bom senso: como deve saber qualquer chefe de família, é inútil vender o carro para pagar dívidas se as despesas continuam crescendo sem controle. Uma nova encrenca será inevitável, mas sem carro para transformar em dinheiro. O alerta poderá servir ao próximo governo, se o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, ainda estiver pensando em privatizações como forma de reduzir a dívida oficial, equivalente em outubro a 76,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Contenção de gastos envolverá necessariamente a reforma da Previdência. Este é o tema mais urgente, segundo o ministro Guardia.
Sem a reforma, lembrou ainda o ministro, também será impossível sustentar o teto de gastos. Pela regra do teto constitucional, uma conquista do atual governo, o aumento da despesa é limitado, em cada ano, pela inflação do período anterior. Essa norma é duplamente importante. Além de reforçar a disciplina fiscal, contribui para firmar as expectativas nos vários mercados e a confiança de empresários, consumidores e investidores.
Boas expectativas quanto à inflação já estão formadas, mas só se manterão se o novo governo avançar de modo claro e sem hesitação no caminho dos ajustes e reformas necessários à consolidação das finanças do setor público. Também há, como têm reiterado fontes da indústria e do varejo, otimismo quanto à expansão dos negócios a partir de 2019, já superadas as muitas incertezas do período eleitoral. É mais um ativo precioso para uso nos primeiros tempos da nova administração, se o presidente e sua equipe fizerem o necessário para preservá-lo e dele tirar o proveito possível.
Muito perto do fim do mandato, o presidente Michel Temer e seus auxiliares pouco poderão ainda fazer para consolidar os avanços conseguidos até agora. Poderão fechar o ano com alguma folga no orçamento: o déficit primário, isto é, sem a conta de juros, poderá ficar abaixo do limite de R$ 159 bilhões, mas essa é uma vitória limitada. Seu sucessor terá enormes problemas para respeitar o limite do próximo ano, de R$ 139 bilhões, e para cumprir outras normas de administração orçamentária.
Mas novas complicações ainda podem piorar o cenário. O ministro da Fazenda tem procurado, sem grande sucesso, evitar a aprovação, no Congresso Nacional, de encargos adicionais. Não conseguiu impedir a ampliação de incentivos fiscais para empresas instaladas no Norte, no Nordeste e no Centro-Oeste, com impacto de R$ 3,5 bilhões por ano. Sem compensação prevista na Lei Orçamentária, só poderá, como comentou, recomendar o veto presidencial. Se der certo, será menos uma bomba de efeito retardado.
Além dos problemas herdados, o novo governo poderá encontrar dificuldades criadas por ele mesmo ou com sua participação. Sem crítica explícita, o ministro Eduardo Guardia ainda chamou a atenção para a possível partilha do bônus de outorga de áreas do pré-sal. A divisão com Estados e municípios foi defendida pelo presidente do Senado, Eunício Oliveira, e o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, mostrou receptividade à ideia.
Segundo Guardia, o repasse desse dinheiro só será regular, pelas normas orçamentárias, se estiver prevista uma compensação. Não há previsão na proposta orçamentária em discussão no Congresso. Mas há outro ponto muito importante, enfatizado pelo ministro em outra ocasião: o governo central precisará de toda a receita dessa outorga, estimada em cerca de R$ 100 bilhões.
O futuro presidente e seu ministro da Economia podem ter planos próprios para a política econômica e para a gestão das contas públicas. É legítima a pretensão de impor sua marca à condução dos assuntos oficiais. Mas terão de agir, especialmente nos primeiros tempos, sem desconhecer os fatos e sem tropeçar nos problemas já existentes no dia 1.º de janeiro. Errarão de forma desastrosa se ignorarem os alertas do atual ministro da Fazenda.
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