- Valor Econômico
Bolsonaro depende mais de Moro do que de Guedes
Desde Deodoro da Fonseca, não houve presidente assim. Jair Bolsonaro ganhou sem alianças e montou um ministério excludente. Exceção ao titular da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, de origem cearense, não há nordestinos em um primeiro escalão com quatro paranaenses, quatro gaúchos, quatro fluminenses, dois políticos do Mato Grosso do Sul e um colombiano. Mesmo que se desconte a falta de equilíbrio regional, é uma pasta que não lança pontes para quem não votou em sua chapa no segundo turno.
Bolsonaro é visto por alguns como um presidente tutelado, mas a rigor cedeu pouco. Arquitetou o governo como se propôs, atendendo fartamente aos setores que sustentaram sua campanha: militares da reserva, com vínculos importantes na caserna, e radicais da internet. Foi obrigado a manter o Ministério de Direitos Humanos, e o entregou a uma pastora pentecostal. Teve que deixar o Ministério do Meio Ambiente e o destinou para um aliado da bancada ruralista.
Paulo Guedes é fiador de um contrato estabelecido quase um ano antes da eleição, mas há aí uma relação de interdependência. Uma agenda como a que o futuro ministro da Economia pretende engatar necessita de um presidente popular que consiga administrar expectativas. Não há outro modo de implantar um ajuste fiscal amargo sem explosão social.
O principal gesto de Bolsonaro para o mundo exterior, não irrelevante, frise-se, foi convidar Sergio Moro. Bolsonaro não poderá ter o anticomunismo, ou mesmo o antipetismo, como seu principal lastro, à medida que Paulo Guedes e Onyx Lorenzoni forem gerando agendas negativas com reformas econômicas amargas e pactuações no Congresso.
É Moro que sinaliza para a esperança de nada ser como antes. Da sua capacidade de gerar fatos positivos dependerá parte do sucesso de Bolsonaro e do próprio Paulo Guedes.
Fim de ciclo
"A sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram", disse Ulysses Guimarães no discurso de promulgação da Constituição de 1988, já no final de sua fala, na hora dos agradecimentos. Era um discurso que procurava situar a importância daquele momento histórico como um dos últimos atos de encerramento de um ciclo, o do regime militar. Ulysses proclamou que a elite política de então, reunida na Assembleia Nacional Constituinte, tinha "ódio da ditadura, ódio e nojo".
A releitura deste discurso em um dia como o de ontem, quando se completou 50 anos do AI-5 e se divulgou a notícia da morte da viúva de Paiva, tem um sabor arqueológico indisfarçável. Estamos em outra era. Ulysses desmoralizava a era passada do ponto de vista objetivo e moral. O país hoje está cheio de ódio e nojo, e o grupo político que soube empalmar o poder aproveitou-se disso, mas claramente não é à ditadura.
O manifesto de Ulysses em 1988 era abrangente como o é a Constituição em vigor, luz de estrela já extinta. No mesmo discurso em que bateu o prego no caixão de 1964, o deputado falecido em 1992 afirmou que "a corrupção é o cupim da República. República suja pela corrupção impune tomba nas mãos de demagogos que, a pretexto de salvá-la, a tiranizam. Não roubar, não deixar roubar, por na cadeia quem roube, eis o primeiro mandamento da moral pública".
Primeiro mandamento. Ulysses parecia perceber onde claudicava a nova ordem que se abria, produto de uma transição rara na América Latina, em que os militares se retiraram sob o manto de uma anistia que liberou a todos de qualquer autocrítica sobre o que havia se passado nas décadas anteriores.
A corrupção e o asco que ela desperta nunca foram um fator irrelevante no jogo político brasileiro. É preciso lembrar que a imagem do regime militar em seu encerramento neste aspecto também estava comprometida. A do regime democrático que se encerrou em 1964 também.
Toda ruptura foi marcada pela esperança do saneamento, invariavelmente frustrada. Ao tomar o poder com a revolução de 1930, lá estava esta semente plantada no discurso de Getúlio Vargas: "Comecemos por desmontar a máquina do filhotismo parasitário, com toda a sua descendência espúria. Para o exercício das funções públicas, não deve mais prevalecer o critério puramente político. Confiemo-las aos homens capazes e de reconhecida idoneidade moral", afirma, em uma fala onde prometeu extirpar ou inutilizar os agentes da corrupção "por todos os meios adequados".
Getúlio é um exemplo longínquo, os mais recentes dispensam maiores apresentações, como o de Janio Quadros e Collor.
Ódio e nojo em relação ao que passou sempre marcam os fins de ciclo, seja a uma elite que não entregou o que prometeu, seja a uma ditadura brutal, que provocou e mascarou assassínios em seus porões, como foi a de algumas décadas atrás. Jair Bolsonaro está às vésperas de tomar posse esforçando-se para explicar as nebulosas movimentações que aconteciam no gabinete do filho na Assembleia Legislativa, mas portador de uma grande esperança, como mostrou a pesquisa de ontem do Ibope.
Um contingente poderoso de eleitores acha que Bolsonaro não vai roubar e não vai deixar roubar e pensa que este deveria ser de fato o primeiro mandamento. No levantamento encomendado pela CNI, 64% dos entrevistados acham que Bolsonaro será um bom ou ótimo presidente e 37% pensam que a corrupção é um problema que será atenuado sob seu governo.
Saúde e o desemprego vêm na frente da corrupção como o problema mais citado, mas o conjunto dos dados induz a pensar que o eleitor intui que Bolsonaro terá desempenho melhor em outras áreas. Os eleitores que acham que os males da saúde serão suavizados é de 31%.
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