- Folha de S. Paulo
Lei Orgânica da Magistratura Nacional deveria ser recalibrada
O ministro do STF Gilmar Mendes queixa-se do que parece ser uma investigação da Receita dirigida contra si e sua mulher, com direito a vazamento. Num país pautado pelo estado de Direito, autoridades deveriam investigar apenas fatos, e não pessoas, e zelar de verdade pelos sigilos que a lei lhes impõe.
O mundo real é um pouco mais selvagem. Preferências políticas e pessoais estão em algum grau presentes nas decisões de todos os agentes públicos, de auditores a juízes, passando pelo guarda da esquina. Mendes sabe disso —o que não torna desculpáveis abusos que tenham sido cometidos contra o ministro.
O que eu gostaria de discutir hoje, porém, é o conflito de interesses na magistratura. Já que virou moda defender o endurecimento de leis, penso que a Loman (Lei Orgânica da Magistratura Nacional) é muito mole e deveria ser recalibrada.
Na interpretação que vem sendo dada ao diploma, Mendes não viola nenhum de seus dispositivos ao manter participação societária numafaculdade de Direito, mas não é preciso mais do que uma pitada de bom senso para perceber que essa é uma situação indesejável, que a lei não poderia autorizar.
Juízes deveriam afastar-se tanto quanto possível de interesses pecuniários identificáveis. Idealmente, deveriam até ser obrigados a manter suas aplicações financeiras em fundos cegos, isto é, em que os beneficiários desconhecem as posições assumidas pelos administradores. É frequente, afinal, que magistrados decidam sobre causas bilionárias envolvendo empresas das quais podem possuir ações.
E há ainda o problema das relações familiares. Advogados são uma categoria endogâmica. Boa parte dos ministros tem parentes próximos atuando em escritórios com ações que tramitam em suas cortes. Regras mais rígidas de suspeição seriam bem-vindas.
À Justiça não basta ser honesta, ela precisa parecer honesta. E não tem parecido.
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