- Valor Econômico
Em todo o mundo, líderes protegem as empresas nacionais
O pensamento econômico liberal tem ibope em todos os setores do governo. As privatizações das últimas estatais que sobraram, até uma parte da Petrobras e, quem sabe, do Banco do Brasil, caminham para se materializar tão logo seja encerrada a recém-iniciada batalha da reforma da Previdência.
A própria Nova Previdência segue o fluxo liberal, com redução do papel do Estado e introdução de um ainda não desenhado sistema de capitalização para sustentar as aposentadorias do futuro, ameaçadas pela mudança demográfica e pelo envelhecimento da população.
Tudo muito bom, tudo muito bem. Não há discussão, o Estado brasileiro está soterrado por obrigações que não consegue atender. As receitas públicas não são suficientes para pagar as despesas, que crescem ainda mais no momento difícil da economia. A Previdência tem déficits bilionários e mantém privilégios inadmissíveis para algumas categorias profissionais, enquanto a grande massa de aposentados pelo chamado regime geral se vira recebendo um ou dois salários mínimos.
Esse olhar liberal, portanto, é bem-vindo. Mas seria interessante observar com mais cuidado o que está acontecendo lá fora, nos EUA, na Europa e na Ásia. De Berlim, vieram notícias surpreendentes no mês passado. O governo alemão anunciou que vai proteger setores importantes de aquisições e concorrência estrangeira. Pela nova política, o governo se dispõe a comprar participações em empresas estratégicas para evitar que elas sejam adquiridas pelo capital estrangeiro.
No dia em que essa informação foi publicada, virando algumas páginas de jornal, lia-se a notícia de que a Boeing esperava aprovação dos acionistas da Embraer para concluir a compra da empresa brasileira, que certamente é um dos maiores sucessos privados da indústria brasileira inovadora. Na semana passada, os acionistas da Embraer, em assembleia, aprovaram a operação.
Embraer na África
Permita-me, leitor, fazer um parêntesis com o texto na primeira pessoa. No mês passado, estive na África do Sul com minha mulher fazendo turismo. Foi uma experiência relaxante e inusitada nos safáris do norte do país e nas andanças pela belíssima Cape Town, com arredores forrados de vinhedos, no sul. Atravessado o Atlântico, ao chegar a Johanesburgo, fomos imediatamente encaminhados para um voo de 420 quilômetros da companhia aérea sul-africana Aerlink até Hoedspruit. Eu nunca tinha ouvido falar dessa empresa e foi surpreendente ver o excelente avião usado no voo, com bancos de couro, design interno elegantíssimo, limpo, vigoroso na decolagem. A primeira coisa que fiz, ao me sentar na poltrona, foi olhar o folheto para ver o modelo da aeronave. E, bingo, era um jato E-190, da Embraer. Fiquei até um pouco emocionado. Lá no extremo sul da África, estava eu em um avião brasileiro e com uma qualidade muito melhor do que a do voo anterior, de São Paulo a Johanesburgo. Ao sair do E-190, no aeroporto de Hoedspruit, na verdade um modesto "campo de aviação", encontrei alguns brasileiros que estavam no mesmo voo. Gostaram do avião? - perguntei. Excelente - responderam. Sabiam que é brasileiro? Não imaginavam.
Onda protecionista
Saio do parêntesis. Na liberalíssima Alemanha, o objetivo do governo é ajudar as empresas alemãs, já tão robustas, a manter e reforçar sua liderança em várias áreas, desde a indústria de tecnologia até a automobilística, a de máquinas e a de produtos químicos.
A verdade é que o pensamento liberal, queiramos ou não, perde espaço em no mundo com a guerra comercial deflagrada por Donald Trump. O presidente americano, o francês Emmanuel Macron e outros líderes procuram proteger suas empresas e suas economias de uma competição nem sempre justa, principalmente advinda de países como a China, onde o capitalismo floresce em meio a uma democracia "iliberal", expressão muito usada pelo primeiro-ministro da Hungria, o direitista hiperconservador Victor Orbán. Tente, por exemplo, comprar hoje uma siderúrgica ou uma ferrovia nos Estados Unidos. Será muito difícil, embora nenhuma lei americana impeça isso.
O ministro alemão da Economia, Peter Altmaier, ao apresentar o plano estratégico para a indústria de seu país até 2030, afirmou que o projeto representa o "fim de uma Alemanha que assiste passivamente um acontecimento que já está a todo o vapor nos Estados Unidos, no Japão e na China". Nos Estados Unidos, Trump adota o lema "América em Primeiro Lugar". Na China, está em andamento o plano "Made in China 2025".
Peter Altmaier não escapou das críticas dos liberais, naturalmente. Mas negou que a nova política seja conflitante com o livre mercado. Disse que o Estado só poderá comprar participações de empresas alemãs para evitar sua desnacionalização em casos muito importantes.
Seja como for, essa onda global protecionista deveria, no mínimo, levar o Brasil a refletir. Será este o momento adequado para o capital nacional se desfazer do controle da brilhante Embraer por míseros US$ 5 bilhões? Será que é hora de pôr à venda fatias de estatais como Petrobras e Banco do Brasil?
Se depender do ministro da Economia, Paulo Guedes, o programa de privatizações vai andar rapidamente. Não há espaço para recaídas nacionalistas. No dia 8 de fevereiro, em pronunciamento no BNDES, ele defendeu a privatização de estatais e observou que o ideal seria vender todas, mas comentou que o presidente Bolsonaro e militares às vezes "olham para algumas delas com carinho, porque eles criaram elas com carinho desde lá atrás". E completou: "Só que eu estou dizendo: olha só, seus filhos fugiram e estão drogados".
Não é uma declaração inteligente nem responsável para um membro do governo que pretende colocar em leilão seus "filhotes" estatais. Se o próprio ministro está dizendo que eles são "drogados", quem vai arrematá-los? A que preço?
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