Por Malu Delgado | Valor Econômico
SÃO PAULO - A sala adaptada da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, onde está preso, há quase um ano, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tem sido palco de frequentes reuniões políticas que vão definir os rumos do PT nos próximos anos. Mesmo privado da liberdade, Lula consegue manter a influência sobre todos os passos dos petistas e nenhum movimento interno é iniciado sem que ele seja consultado. Nos últimos dois meses, o PT discutiu maneiras de retomar o protagonismo político de Fernando Haddad e mudanças na direção nacional do partido voltaram à agenda.
O ex-prefeito, que disputou o segundo turno com Jair Bolsonaro em 2018 e terminou o pleito com 47 milhões de votos, passou a cogitar a possibilidade de presidir o PT, segundo dirigentes do partido confirmaram ao Valor. Esta tese havia sido rejeitada por Haddad logo após a campanha eleitoral. Para que isto possa ocorrer, no entanto, é preciso convencer o próprio Lula e mudar o formato de organização da presidência da legenda para que Haddad possa se dedicar a grandes temas e ações que projetem a imagem do PT externamente, sem que tenha que cuidar de questões internas e burocráticas do partido, o que ele se recusa a fazer.
O partido vai iniciar, ainda em março, as viagens de Haddad pelo país. Há quem chame os eventos de "Caravanas Petistas", mas os formatos serão totalmente diferentes dos périplos feitos por Lula de 1993 a 1996, com as Caravanas da Cidadania, quando percorreu 26 Estados, e também entre 2016 e o ano passado, após o impeachment de Dilma Rousseff. Haddad fará viagens de quinta a sábado e não quer comprometer sua agenda de trabalhos acadêmicos como professor no Insper e na USP.
"Não serão caravanas, mas debates", respondeu Haddad, lacônico, ao Valor. Questionado sobre o objetivo destas viagens, disse que a intenção é debater a "conjuntura política e projetos".
Até o momento, Lula defende que a deputada federal Gleisi Hoffmann (PR) seja mantida na presidência da legenda. Há setores do PT, no entanto, que consideram a postura de Gleisi sectária e inadequada para as exigências de união da centro-esquerda na atual conjuntura política.
O papel que Gleisi exerceu no PT é reconhecido por diferentes alas petistas, mesmo as pouco simpáticas à parlamentar. Os petistas são unânimes em afirmar que ela assumiu a defesa do partido no momento mais delicado, com o impeachment de Dilma e a prisão de Lula. A ex-ministra de Dilma é vista, porém, como pouco hábil no diálogo com governadores, parlamentares e outros partidos. Setores petistas a consideram boa interlocutora "para dentro" da militância e com movimentos sociais de esquerda, mas não "para fora".
No dia 15 de fevereiro, Haddad esteve no Ceará. A viagem foi um "piloto" dos futuros encontros. O petista se encontrou com o governador Camilo Santana, de seu partido, e fez uma espécie de palestra com movimentos sociais e lideranças do Estado. A proposta destes eventos é que Haddad sempre tenha uma agenda com lideranças políticas locais, em especial governadores da esquerda, dê entrevistas à imprensa, faça contato com militantes, universitários, religiosos, formadores de opinião e grupos econômicos locais.
"A ideia é voltar a viajar pelo país, mas ainda não temos o detalhamento", disse o deputado Paulo Pimenta (RS), líder do PT na Câmara. Já o deputado federal José Guimarães (PT-CE), que auxiliou a definir a agenda de Haddad no Estado, assegura que a viagem foi o marco de uma grande campanha de mobilização e do calendário de renovação do PT. "Haddad vai percorrer o caminho que Lula nos ensinou. É pé na estrada", enfatizou Guimarães.
Segundo o ex-deputado Márcio Macedo, integrante da Executiva Nacional do PT e um dos organizadores da nova agenda de Haddad, o modelo será totalmente distinto das caravanas. "As caravanas eram do Lula, é difícil caber em outro que não ele."
Lula quer que o ex-prefeito aproveite esses encontros para denunciar sua prisão. O ex-presidente se considera um preso político. Os petistas e advogados que se encontram com Lula frequentemente dizem que a sua resiliência é impressionante, ainda que ele tenha claros momentos de abatimento. Lula enfatiza em todos os encontros que confia na história para manter sua biografia e comprovar sua inocência. A perda do neto Arthur, de 7 anos, na última sexta-feira, foi um profundo baque emocional ao petista, que no mês passado perdeu Vavá, um de seus irmãos mais próximos. Na cerimônia de despedida do neto, ele disse que provará ser inocente.
O PT quer manter acesa a campanha "Lula Livre", mas o objetivo central das viagens de Haddad é fortalecer a sua própria imagem para disputas eleitorais futuras. Segundo Macedo, o ex-prefeito obviamente será um porta-voz par denunciar a situação de Lula pelo país, mas dentro deste "guarda-chuva" cabem vários outros debates, como a reforma da Previdência, as contradições do governo Bolsonaro e a redução de direitos dos trabalhadores. "A ideia é que os debates não sejam só com o PT, mas com outras forças políticas, outros partidos", diz Macedo.
Haddad também vai atuar diretamente em formulações dos Núcleos de Acompanhamento de Políticas Públicas (Napps), uma espécie de laboratório de estudos organizado pelo partido que terá diferentes setores: econômico, jurídico, político, ambiental, educacional, de saúde, de segurança, entre outros. Esses núcleos vão acompanhar medidas do governo de Jair Bolsonaro, elaborar análises profundas e também projetos alternativos e distintos da direita que está no poder. Os estudos e projetos vão dar suporte a parlamentares, governadores e futuros candidatos.
Além do próprio Haddad, o ex-ministro Aloízio Mercadante foi chamado para auxiliar na formulação do Napps, ao lado de Ricardo Simões, ex-secretário de formação política e de movimentos populares do PT.
Lideranças petistas têm se alternado em visitas a Lula. No início do mês, o ex-presidente do PT Rui Falcão e Mercadante estiveram em Curitiba. A pedido de Lula, Rui Falcão terá procuração para visitá-lo como advogado. Haddad teve a procuração cassada, porque se registrou como advogado eleitoral. Uma nova procuração já foi formulada e ele entrará no rol de advogados criminalistas. O ex-presidente também recebeu o senador Jaques Wagner e o governador Wellington Dias. Entre o grupo de petistas que querem mudanças na direção do PT é forte a defesa para que um nome do Nordeste possa assumir o partido com Haddad.
Se Lula concordar com este formato, o PT pode retomar um modelo de direção em que a figura do secretário-geral cuida das dinâmicas internas e o presidente faz o debate público, como funcionou com a dobradinha Lula-José Dirceu. Somente assim Haddad concordaria em assumir a presidência. Mas, antes, é preciso que Lula diga sim.
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